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Foto do escritorJoão Correia Gomes

A CIDADE - O POLO DO PROGRESSO (parte I)


O que é realmente a cidade?


A cidade tem sido o núcleo das civilizações humanas, logo o principal meio das sociedades para o seu progresso e criação de riqueza. A cidade moderna deve ser entendida como um sistema vivo, complexo, aberto e interativo com a sua envolvente. Como o corpo humano, integra órgãos coerentes entre si que, em conjunto, se adaptam às circunstâncias variáveis da envolvente. A cidade vive dos fluxos coordenados de pessoas, bens, água, energia, dinheiro. Por exemplo, é uma entidade viva que ciclicamente recebe e expulsa pessoas que nela trabalha, recolhe lixo, abastece de alimentos, água, combustíveis ou eletricidade, etc.

Os imóveis na cidade podem comparar-se às células do corpo humano. Servem o todo, emergem, são usados nos fluxos, são substituídos quando deixam de funcionar. Portanto, os imóveis funcionam como meios, e não fins, para a cidade atingir os seus objetivos. Quanto ao imobiliário, como atividade que transforma a natureza para prover ambientes úteis à sociedade (ou o Homem), terá de sujeitar-se aos objetivos da cidade e da sociedade, não o contrário. Cabe ao promotor e gestor imobiliário observar os contextos envolventes (sociedade, tecnologia, instituições, terreno), tendências económicas e urbanas, e objetivos da cidade para conceberem e planearem os seus negócios (Gomes, 2018).


Este primeiro artigo descreve, de forma muito sucinta, como a cidade tem sido essencial para o desenvolvimento e progresso das sociedades. O próximo artigo irá descrever como a cidade será ainda mais crucial ao sucesso da sociedade em emergência neste século, mas muito distinta daquela que ainda vivemos e acreditamos que não irá mudar.


Mas, a cidade porquê?


A vantagem do Homem é sobretudo um ser social, essa foi sempre a sua vantagem para explorar e adaptar o mundo à sua medida. Isolado, mesmo isolado dos outros, um humano é uma presa indefesa de outros animais na cadeia alimentar. Em grupo, num ambiente de humanos, os indivíduos aprenderam a defender-se e até a conquistar a envolvente física. A comunicar com os outros, desde o boato ao conhecimento prático, desenvolveu o cérebro e aprendeu a preservar uma memória que aumentava e transmitia a gerações futuras. Neste âmbito, foram os fluxos de ideias e informação que permitiram ao Homem crescer.


Como animal gregário, a proteção e a comunicação (oral) exigiam proximidade, primeiro a nível familiar, da tribo, depois de grupos maiores com estruturas orgânicas mais complexas. Com ao advento da agricultura era preciso espaços para armazenar as preciosas colheitas que alimentavam o resto do ano. Os caçadores-recolectores espreitavam as povoações que prosperavam em locais escolhidos para defesa e logística da troca de produtos. Estes teriam de fluir por energia mínima (inclui musculo escravo). Seguiam pelo rio, a enseada ou o cruzamento de estradas a ligar aos campos férteis.


As civilizações surgiram em pontos cruciais dos fluxos materiais. Atraiam gente. Requeria poder para guardar cereais, proteger de estranhos e saquear vizinhos. O poder dependia do agregado coeso de indivíduos que competiam e cooperavam entre si em processos dinâmicos de produção, trocas e mexericos. A riqueza das primeiras civilizações agrícolas era uma fórmula de baixa criação de valor, ou de soma (quase) zero, até porque se baseava na extração de matéria e outros humanos. Os centros de poder eram os povoados que venciam, e passaram a cidades, pelos quais fluíam pessoas (dos escravos a cidadãos), bens, água, energia (sobretudo lenha), informação, ideias e moedas.


Os grandes impérios de base agrícola centraram-se em cidades (Atenas, Cartago, Roma) nas quais consolidam e preservaram o poder devido ao comércio e à extração. O império romano devia mais o seu poder ao saque do que ao progresso. O poder centralizava-se em poucas cidades, mas era burocrático, desigual, a semente da sua ruína. Apesar de ter rudimentos tecnológicos de elevado potencial, como um engenho a vapor (Alexandria), não existia comunicação interna para promover a inovação e o desenvolvimento. Com a queda do império romano do ocidente, as cidades (quase) desapareceram e o território passou a ser dominado por feudos em guerras permanentes entre si.


A rotura política, económica e social da Europa foi dolorosa, mas permitiu que os povos europeus evoluíssem de selvagens no século V a líderes mundiais a partir do século XV.

Mas, o que aconteceu?


No caos gerado após a queda do poder de Roma emergiu o poder da Igreja cristã que, por interesse de poder, foi rompendo a estrutura social existente, sobretudo baseada em redes de parentesco em que estava implantada (é ainda a que prevalece em quase todo o mundo desde a China, India, Médio Oriente e África). As pessoas mais desligadas de amarras familiares ou da tradição familiar, largavam os campos feudais, e fluíam para as pequenas cidades onde produziam artefactos e comerciavam entre si (com o apoio da monarquia que atribuía forais). Emergia a burguesia, o capitalismo, a banca, o comércio terreste e marítimo entre uma rede de cidades que se interligavam (Henrich, 2020), competiam e cresciam pela sua especialização e transação. As pandemias, como a peste negra, que mataram boa parte da população apenas estimularam este movimento em direção às cidades.


Nesta onda de mudança não se exclui a fundação de universidades em algumas cidades, a implantação de mosteiros de ordens religiosas que preservaram o conhecimento dos clássicos, onde se refletia e racionalizava (apesar de serem assuntos religiosos) e se cultivava a valorização do trabalho. Mais tarde, o próprio cristianismo ocidental cinde em novas correntes, como o protestantismo que favorecia a difusão da leitura por todos e não apenas as elites. Foram as sementes de que conduziram à mudança de mentalidades, sobretudo nas sociedades do norte da Europa que se tornam ricas por serem industriosas, empreendedoras, letradas e desligadas das teias familiares. A Europa constitui uma mente coletiva baseada em nós como as cidades livres e os mosteiros.



Apesar do sul da Europa medieval ser o espaço mais sofisticado (que facilitou as descobertas pelos portugueses), as suas sociedades foram pouco a pouco ultrapassadas. Eram sociedades muito ligadas à Igreja Católica, sujeitas à Inquisição. Não conseguiram desligar-se totalmente das teias familiares, com os seus favores, obrigações ou tributos.

Ainda hoje, a maioria das sociedades no mundo segue essa cultura milenar do parentesco ou afins. São soceidade que não incentivam a formação e a cultura científica do povo em geral, sobretudo as mulheres. O povo tende a nomear um chefe redentor (fator pai) favorecendo a autocracia. A cultura familiar valoriza mais a lealdade do que o mérito, a pertença a uma tribo ou clã (família, linhagem, partido, fraternidade, clube) do que o mérito e a competência.

As grandes cidades democráticas tende a desfazer estas redes familiares que atrasam o progresso. Pelo que observo, infelizmente, a cultura portuguesa ainda tende a seguir esta conduta tipo familiar, mas numa sociedade hoje aberta ao exterior será fácil os seus cidadãos insatisfeitos que não se enquadram no modelo, com frequência mais competitivos e competentes, emigrem para as sociedades onde serão valorizados.

E este país continua a perder para o progresso...


A Europa transformou-se numa rede de cidades a competir e a desafiar-se mutuamente, sendo os nós de um complexo sistema mental coeso e coerente. O conhecimento, os bens e pessoas fluíam livres e com flexibilidade criando assim riqueza. Algumas cidades predominaram no sistema como centros de comércio ou de extensos impérios coloniais a receber inputs e redistribuir outputs já com mais-valias. Esses nós (ou “hubs”) beneficiavam de alguma vantagem natural ou geográfica, por ter um porto de mar e por dominar alguma tecnologia. Algumas cidades foram os centros da civilização do seu tempo (Attali, 2006) como Amsterdão (1620-1788), Londres (1788-1890), Boston (1890-1929), Nova Iorque (1929-1980), Los Angeles (1980-?).


A Europa do século XIX tornou-se numa complexa rede de capitais de metrópoles de extensos impérios coloniais a competir entre si e no progresso. É um mundo que finda com o exagero na competição que gera a primeira guerra mundial. A troca de conhecimento, mercadorias, serviços e investimento era muito fluida nesse espaço. As cidades recebiam a matéria-prima que extraiam das colónias, para onde vendiam os produtos transformados. Era uma rede global de logística e comércio ligada por locomotivas e barcos a vapor, pelo telégrafo e imprensa escrita. Criou condições para a ciência, mesmo a mais disruptiva, como a Teoria da Relatividade e a Física Quântica.



Com o fim da primeira guerra a era dos impérios coloniais enceta o seu fim, mas inicia a era centrada nas nações. É também o marco inicial da expansão do movimento da segunda revolução industrial em que se afirmam e difundem as tecnologias criadas no final do século anterior. Trata-se do motor de explosão, da rede elétrica, telefone, rádio que irão ter uma enorme influência na forma das cidades, sobretudo no período após segunda guerra mundial. As cidades são os centros políticos do poder em que ditaduras nacionalistas começam a dominar, onde as democracias se preparam para a defesa. São os espaços mais atacados na guerra em que se aborda uma destruição devastadora ou total.



Depois, qual Fénix, as cidades renascem em configurações baseadas na nova tecnologia. Expandem-se para extensos subúrbios para abrigar milhões onde se provê, em escala (quase) universal, a habitação própria para as classes médias em ascensão. Utilizam-se instrumentos institucionais como o crédito hipotecário e propriedade horizontal. Os centros das cidades tornam-se enormes polos na prestação de serviços, como os financeiros que gerem os fluxos de capital. Mas, o modelo vai implodir.


Lisboa, 22 de fevereiro de 2021


João Correia Gomes


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