No futuro cada vez mais próximo, o segredo para a prosperidade das sociedades estará nas cidades (ver artigo “Cidade: Polo de Progresso”). As cidades podem entender-se como as máquinas de civilização mais eficientes e sustentáveis. Têm a função de concentrar vidas de multidões de indivíduos onde podem interagir do modo mais eficaz e, assim, cultivar o maior recurso do século XXI – o conhecimento. Pois é, foi nas cidades que medrou o conhecimento criativo, científico e técnico, pelo menos nos últimos séculos. E hoje em dia, são ainda mais o principal polo de criação de riqueza.
Deve distinguir-se a cidade moderna (do futuro) daquela cujo modelo é o mais corrente – um núcleo central, habitado pelas classes mais elevadas e por serviços, cercado por múltiplos anéis de subúrbios onde se amontoam residências com proprietários. Estes são os trabalhadores do núcleo central que se consomem em tempo, energia e saúde nas deslocações diárias. Mas, perde disposição e ambiente necessários para produzir o recurso mais valioso da sociedade atual– o saber útil. Sobre a possibilidade das pessoas passarem a viver fora das cidades face ao crescimento do teletrabalho após o presente fenómeno da pandemia do Covid-19 leia o artigo “The Great Fake” de Mokyr (2021).
A cidade próspera será a que melhor integra a sua população no seu núcleo onde tudo é mais acessível a pé, bicicleta ou por transporte sustentável, onde abunda a comunicação também não-verbal que a Internet não consegue transmitir. É o espaço urbano mais atrativo para os mais jovens, aqueles que são os melhor formados, cultos, mais dinâmicos, mais desafiadores da ordem estabelecida, logo inovadores. A sociedade que quer prosperar não os deixa escapar, mas fixar os nacionais e atrair os estrangeiros. As empresas e instituições que querem ter um futuro começam a preocupar-se com a atração dos mais capazes (Kelly, 2021) como os jovens mais competentes e ambiciosos que fazem a diferença e tendem a emigrar para onde realmente se progride (sociedade e indivíduos).
A construção de edifícios é hoje em dia demasiado cara para conseguir criar ambientes que proporcionam a prosperidade das sociedades atuais. A criação de riqueza numa sociedade não passa por satisfazer os requisitos de luxo de um pequeno segmento social, a classe média alta ou superior. O valor criado nestes nichos são apenas um ótimo complemento. Aliás, a concentração do luxo nunca foi modelo de riqueza para Portugal, pois enquanto as elites usufruíam do luxo extravagante, o povo era mantido na ignorância e pobreza crónica.
Criar riqueza numa sociedade exige uma política de agregação de boa parte dos indivíduos que a compõem. Só com escala se pode criar modelos de produção eficientes, por exemplo através da industrialização. Só um grande número de indivíduos cultos a interagir e cooperar entre si em proximidade por objetivos úteis criam um alto padrão de desempenho comum. É como se fosse um cérebro humano em que os neurónios, imensos, operam em conjunto, mas com uma certa ordem. O ambiente apropriado é o primeiro passo para uma sociedade se tornar exigente, equitativa, eficiente, depois próspera (ver “Uma nova visão sobre o imobiliário”).
Presenciamos hoje em dia uma nova onda de desenvolvimento, dita como industrial, já em curso e que irá mudar tudo. Estão errados todos os paradigmas tidos como firmes e que foram criados nas anteriores ondas de desenvolvimento. A leitura que fazemos do mundo tem a ver com os ambientes em que crescemos e fomos ensinados, mas tudo pode ser muito diferente do que imaginamos. Este tema está muito bem articulado em “The Next Age of Invention” de Mokyr (2014) pois sempre pensámos o futuro à luz do conhecimento e normas correntes, o que se revelou (quase sempre) errado.
Pode apontar-se dois eventos que se revelaram essenciais, mas porque muito interligados, para provocar o progresso, como o experienciamos hoje em dia, que são a industrialização e o acesso universal ao conhecimento. O primeiro evento disponibilizou bens e utensílios cada vez mais baratos para uma população mais abrangente. O segundo evento cresce com a qualidade de vida libertando cada vez mais pessoas para aprender, pensar, cultivar-se, criar e desenvolver ciência. Com a ciência desenvolveu-se tecnologia através da engenharia. Com tecnologia, o mundo industrial forneceu os instrumentos que permitiram desenvolver ainda mais a ciência. Apenas alguns núcleos lideram quando beneficiam de um feedback positivo entre a sua indústria com tecnologia cada vez mais inovadora e uma população de elevada cultura científica e criativa. As sociedades líderes são as que incentivam e beneficiam dessa espiral virtuosa e, assim produzem bens e serviços de alto valor acrescentado, quase sempre bem fundados em conhecimento de difícil acesso.
As restantes sociedades do mundo irão retroceder para níveis de prosperidade secundários a fornecer a matéria-prima, o trabalho manual barato, o turismo de massas. Portanto, limitam-se a produzir bens e serviços de baixo valor acrescentado, sujeitos a risco muito elevado dependente da boa vontade ou escolha dos membros das sociedades líderes. Pouco a pouco, a sociedade europeia está a transformar-se num museu e local de diversão do mundo quando concentra a população mais culta do mundo. Um paradoxo.
Planear o futuro de uma sociedade com os critérios bem-sucedidos do passado como a indústria que exigem imensos operários apenas para dar emprego, apenas irá prolongar o caminho da estagnação. Está fora do tempo. As indústrias do passado produziam “coisas” na escala humana, tangíveis, com máquinas grandes que dependiam do esforço físico humano (mão de obra e saúde) e de energia de fontes fósseis.
As indústrias mais valorizadas no futuro já são as que produzem “coisas” que dependem do ínfimo ou intangível, como os átomos, genes, neurónios e bits. Neste nível dimensional a transformação é muito mais profunda. Mais, as “coisas” grandes (bens transacionáveis) serão cada vez mais produzidas por máquinas e inteligência artificial que dispensam o esforço físico humano barato. A reindustrialização com novos processos de fabrico terá de ser o novo padrão. A nova indústria que faz coisas emprega pouca gente, aplica Inteligência Artificial e robôs para obter a máxima eficiência e produtividade.
Nas sociedades prósperas, as pessoas são destinadas a utilizar mais o cérebro, deixando as máquinas com o trabalho físico. As sociedades mais prósperas de hoje preocupam-se com patentes, a propriedade intelectual, a gestão, a marca, a inteligência. Verifica-se que as sociedades mais prósperas estão a concentrar-se em grandes cidades costeiras no espaço indo-pacífico como a China, EUA, Japão, Coreia do Sul, Taiwan (líder tecnológico mundial em microchips através do grupo TSMC, o qual já ultrapassou a própria Intel, sendo até a razão para a China querer invadir o território porque tem falhado nesta tecnologia).
Para contrariar esta tendência, a Europa terá de encontrar caminhos similares compatíveis com o mundo atual até porque possui a população científica e culta necessária. Tem de apostar nas universidade e centros de investigação, nas ligações entre estes e o tecido produtivo com incentivos para o investimento com capital de risco. Aqui, os estados têm responsabilidade quanto ao ambiente institucional (Gomes, 2018).
Mais, terá de estimular ainda mais a restante população que corre o risco de desemprego crónico. Este tende a agravar custos colaterais como a emergência de movimentos extremistas ou graves problemas endémicos de saúde face à inação de uma população que é acalmada (até hipnotizada) com tolos programas de televisão ou pelo Facebook.
Não precisa de se orientar para os mesmos bens já produzidos pelo asiáticos, pois já sairia a perder na competição. A globalização permite adotar alternativas em que possa beneficiar de vantagens comparativas. As alternativas mais viáveis poderão ser as energias renováveis, o espaço urbano, o espaço extraterrestre, a agricultura (eficiente, mas sustentável e saudável, nas cidades), o mar, além de outros produtos que a inteligência humana das cidades irá descobrir.
Para atingir tais objetivos serão necessários ambientes apropriados para a sua população prosperar. Essa é a função do setor imobiliário que terá de pensar e agir fora da caixa, sobretudo na renovação das cidades e na reabilitação ou construção de edifícios. E aqui entra a colaboração da tecnologia e engenharia (tema de próximo artigo).
Lisboa, 10 de maio de 2021
João Correia Gomes
GOSTOU? Então coloque um "gosto" e partilhe para os seus amigos.
Tem uma história para partilhar?
email EngenhoeArte@yahoo.com
Comments