A prosperidade económica dos países dependerá menos de abundantes recursos materiais, mas mais da eficiente gestão dos fluxos entre unidades de produção e consumo. A riqueza provém de pessoas, matéria, energia, informação, dinheiro que fluem pelo globo com rapidez e baixo custo. O paradigma de criação de riqueza está a mudar dos tradicionais modelos, estáticos, para outros modelos muito mais dinâmicos. São as redes, como a Internet, que tornam mais orgânicas as estruturas produtivas e consumidoras, para um sistema económico que se assemelha mais a um cérebro humano, cujos neurónios ligam e desligam para criar memórias, pensamento e ação. Também a prosperidade no século XXI dependerá cada vez mais de inúmeras microunidades que se interligam para produzir como consumir. Serão “prosumidoras” a conectar e desconectar na rede para cada projeto ou transação.
O progresso neste ambiente dinâmico exigirá uma forte base institucional a sustentar confiança às microunidades, sobretudo os humanos. Terão de ser modelos expeditos, imparciais, competentes e coerentes, não burocráticos e obtusos, por vezes corruptos. Enquanto as instituições conferem o ambiente para a dinâmica da economia, o valor funciona como a “cola” entre as unidades que operam na rede de transações. O valor é a métrica base de qualquer transação económica, e esta pode entender-se como um fluxo entre quaisquer duas unidades autónomas e independentes. A forma de estimar valor evoluiu ao longo da civilização de acordo com as suas necessidades, sendo crível que no futuro adquira critérios muito distintos da prática corrente.
A avaliação é essencial para assegurar a confiança entre partes numa transação. Tem função de minimizar custos de informação assimétrica, os quais existem em qualquer transação. Além do rigor e competência, ao avaliador exige-se independência e isenção, a contínua atualização, e aplicação de metodologias adaptadas às novas exigências do contexto.
Mas, existirá alguma relação entre o método de avaliação e o modelo de sociedade?
Sim. Os métodos de avaliação expressam bem os contextos em que emergiram no passado. O valor justo tem sido ponto essencial nas decisões de negócio. Mas, não pode entender-se valor como algo absoluto. É, sobretudo muito relativo, pois depende da perceção individual nos objetivos, sensibilidade e cultura pessoais. Expressa mais uma opinião do que é um facto (como custos) ou uma perspetiva (como os preços).
Na era pré-industrial, a riqueza dependia da produção agropecuária num mundo de lenta mudança. A produção imobiliária dependia do empirismo sofrido de mestres e obreiros, e do seu trabalho muscular, num contexto pouco diverso de raras transações de imóveis.
A avaliação focava então os bens patrimoniais que produziam. O valor estimava-se pela contagem - de áreas fundiárias, número de árvores, cabeças de gado ou até servos (ou escravos). Para a contagem era nomeado um “louvado”, perito com elevada prática, reconhecido como homem “bom e honrado”. Avaliava-se o edificado com critério similar, a soma do valor fundiário (depois urbano) com o custo de execução do mesmo, ou seja o total de custos de materiais e mão de obra.
O método de custo adequava-se ao contexto social e tecnológico, pela soma do que era tangível, sobretudo materiais e tempo de trabalho. A cadeia de valor era simples e linear, com soluções iguais já testadas pelo tempo. Repetia o que se fazia há séculos. Pouco inovava.
A maioria da população não tinha condições para posse de terra ou até da sua habitação. Para sobreviver, a maioria obrigava-se a arrendar terra ou o abrigo junto dos poucos com privilégios de posse fundiária. A renda relacionava-se com a produção e a decisão do proprietário, com frequência discricionária face ao poder diferenciado. Ganhava-se consciência de uma certa relação numérica entre a renda e valor fundiário ou do edificado. O método de rendimento era corrente no contexto socioeconómico prévio à propriedade horizontal e ao crédito hipotecário.
Entretanto, o mundo entrou no século XX. A segunda revolução industrial ampliou a produção (massificada) e o consumo acessível a quase todos. Emerge o contexto de bens industriais massificados, consumidos por multidões ávidas em consumir. O lema comum era comprar, usar e deitar fora. Passa a ser fácil comparar produtos semelhantes transacionados na grande escala. Emerge um mercado de transação imobiliária.
Nessa revolução, até a construção deixa de ser uma atividade tão empírica (artesanal e muscular). Adota processos industriais, embora isto aconteça mais nos países mais desenvolvidos do que nos conservadores. Neste último caso, ainda hoje, Portugal agarra-se a uma cultura de construção tradicional, embora sem a mão-de-obra barata e de qualidade, que emigra.
No novo contexto de elevada urbanização da população ávida a consumir era preciso prover muita habitação. O incentivo à produção em grandes números pelo mercado emerge através de instrumentos institucionais, a propriedade horizontal e crédito hipotecário. Assim, o modelo de negócio passa a basear-se na venda, e é tão bem-sucedido que domina o setor e quase elimina a alternativa arrendamento. Assim, o método comparativo ou de mercado ganha importância. Mas, foca apenas o ato de compra e venda pela através da comparação com os números genéricos do mercado.
A fiabilidade do valor, estimado por comparação, exige registo de dados de transações para conferir informação sobre o mercado de transações, útil, transparente e fiável. Só um elevado número de transações de produtos padronizados (as tipologias) permite a validade estatística. Mas, já não explica bem o que é diferente, ou se muda o conceito de procura ou oferta. Na ótica de segunda revolução industrial, o valor tende a ser tido como único, mas porque se baseia em produtos tipificados e o perfil do cliente é pouco diverso.
Hoje, o mundo muda muito rapidamente. O setor imobiliário, conservador, tem dificuldade em largar o contexto em que prosperou nas últimas décadas, mas não está a responder aos desafios deste tempo da quarta revolução industrial e da elevada mobilidade de pessoas. Nos principais mercados urbanos portugueses, o setor prospera em nichos orientados para segmentos da classe média-alta e luxo que podem pagar a construção muito cara. E, por sorte, porque o país foi descoberto por estrangeiros com mais poder de compra. A construção cara restringe o acesso à extensa classe média e jovens, a grande população que realmente faz o mercado.
Como sair deste imbróglio?
Obviamente, não será mantendo o status quo, por muito que custe a quem faz negócio, ainda. O caminho da decadência é óbvio. A míope ótica do curto prazo do mercado é muito bem expressa pela metodologia avaliação, cujo resultado apenas é fiável na data em que é produzido o relatório. Serve para suportar o instante da compra e venda, mas perde logo no momento seguinte, pois, entretanto, o mercado e o contexto muda.
Por outro lado, o próximo contexto económico ocidental já não passará por milhares de famílias a procurar casa para adquirir. Esse produto de antigo sucesso deverá minguar para uma faixa limitada do setor. Já não cria riqueza geral para a economia (só para uns poucos).
O contexto económico em formação precisa de investimento externo, sobretudo o que depende de fluxos gerados no longo prazo para competir no mercado de títulos e com as outras economias concorrentes. Emerge aqui a necessidade de projetar confiança nos mercados a captar com processos que privilegiam a transparência, a racionalidade, a avaliação de risco (profissional e não pelo usual palpite ou o habitual “achismo”).
O mercado futuro irá privilegiar mais o uso do que a posse do imóvel. O primeiro modelo confere flexibilidade e sustentabilidade à economia. O segundo modelo está a conduzir à estagnação da economia pois obriga à fixação local em que se confina a população. No futuro, o valor focará menos o imóvel, mas mais os cash-flows que aí serão gerados com sustentabilidade. A nova ótica de avaliação deve integrar os fatores tempo e risco.
Num mundo futuro com menos transações de bens imobiliários, mas abundantes transações de títulos e serviços instalados nas plataformas imobiliárias, o principal suporte do negócio será menos a Avaliação. Esta é apenas uma espécie de fotografia de um momento, aquele em que acontece a avaliação, logo a transação.
Mas, numa economia super-dinâmica, o principal instrumento do negócio imobiliário será outro - o Plano de Negócio. Em contraste com a avaliação, este funciona como um filme com o tema do futuro do empreendimento. O empreendimento no objeto imobiliário que passa a ser uma "máquina para gerar cash-flows".
Ao grande investidor, moderno e profissional, não interessa de todo o valor do imóvel quando despido de contexto. Na sua ótica, o valor de aquisição não é tão importante. Interessa-lhe saber se o ativo tem potencial para criar valor no longo prazo (pela rendibilidade) e com risco controlado. Passa a ser mais importante o caminho que cria valor extraordinário e fiável do que o momento de aquisição do ativo.
O plano de negócio expressa a análise dos contextos e cenários possíveis a beneficiar o ativo imobiliário, desde logo na procura das melhores soluções alternativas quanto ao produto final (bem ou serviço) e à cadeia de valor. Liga-se com a desmaterialização do empreendimento, logo afasta-se de conceitos ainda correntes muito ligados a processos que valorizam demais o tangível, como se faz há séculos. Privilegia as atividades que geram resultados, mesmo que sejam mais intangíveis, embora efetivas na criação de valor, por serem mais racionais e criativas. Além do planeamento (como o plano de negócio), são exemplos o marketing, o projeto de arquitetura e de engenharia.
Este tema é desenvolvido no livro “Uma nova visão sobre o imobiliário – plataforma para a criação de riqueza no século XXI”
Lisboa, 30 de outubro de 2020
João Correia Gomes
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