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COMO ILUDIR A AUTONOMIA LOCAL

Atualizado: 7 de set. de 2020

A Carta Europeia da Autonomia Local aprovada e ratificada através da Resolução da Assembleia da República n.º 28/90 fazia crer que no nosso país caminharia para o “direito e a capacidade efectiva de as autarquias locais regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos”

Explicitada que estava na Constituição Portuguesa o princípio da subsidiaridade (revisão de 1997) tudo levava a crer que, regra geral, estaria garantido que “o exercício das responsabilidades públicas deve incumbir, de preferência, às autoridades mais próximas dos cidadãos. A atribuição de uma responsabilidade a uma outra autoridade deve ter em conta a amplitude e a natureza da tarefa e as exigências de eficácia e economia.”

As atribuições confiadas às autarquias locais deveriam ser plenas e exclusivas com áreas de competência exclusiva para as autarquias, e áreas de competência exclusiva do poder central.

Em caso de delegação de poderes, as autarquias locais deveriam gozar de liberdade para adaptar o seu exercício às condições locais. E deveriam ser consultadas, em tempo útil e de modo adequado, durante o processo de planificação e decisão relativamente a todas as questões do seu interesse.

Não menos importante, às competências assumidas dever-se-ia fazer corresponder recursos próprios adequados.

Ora os recursos próprios directos das autarquias são basicamente sempre os mesmos:

  • IMI – Imposto Municipal de Imóveis (as autarquias aliás pagam o serviço de cobrança às finanças e o destino das multas por atraso ainda hoje é obscuro …);

  • IUC – Imposto Único de Circulação (parte)

  • Derrama.

E as transferências financeiras mais significativas da Administração Central são:

  • · FEF – Fundo de Equilíbrio Financeiro;

  • · Participação no IRS

  • · FSM – Fundo Social Municipal

Em substituição do imposto de selo foi equacionado o IMT – Imposto Municipal de Transmissão Onerosa (que permanece em regime transitório)

Há depois impostos indirectos de vária ordem, com menos expressão, normalmente sob a forma de taxas não directamente relacionadas com uma específica contra-prestação dos serviços prestados como acontece com taxas de utilização de subsolo para infraestruturas, remoção de obstáculos jurídicos (normalmente licenciamentos), licenças de terrado etc.

Naturalmente que os municípios mais organizados em termos de PDM terão menos dificuldades na satisfação da demanda de serviços gerais da sua competência (água, saneamento etc) e pelo contrário os menos atentos ou com falta de planeamento terão mais dificuldades. Mas essa é a beleza da atribuição de competências e receitas próprias: É passível de escrutínio público local.

Ora acontece que, no panorama actual, as receitas próprias de muitos municípios não chega a 20% das receitas totais. No litoral encontram-se alguns casos em que as receitas próprias rondam os 60%, bem como honrosas excepções a caminho do interior como Famalicão ou Entroncamento, mas a generalidade dos municípios demonstra uma enorme dependência financeira do governo central.

Imagem - Relação entre as receitas próprias e as receitas totais dos municípios no período 2007-2010.

Fonte: relatório da CCDRC - Direção de Serviços do Desenvolvimento Regional Divisão de Planeamento e Avaliação


Em tempo de crise e simultaneamente em tempo transferência de serviços tutelados é de esperar conflitualidade na discussão dos respectivos orçamentos.

O que faz perigar todo o edifício de organização administrativa e política da nação.


Quando as escolas do primeiro ciclo passaram ser atribuição dos municípios o sua conservação deplorável. A manutenção foi sendo protelada, muitas com sistemas prediais obsoletos dependentes de poços e fossas em detrimento das necessárias ligações às redes públicas de abastecimento de água e drenagem de saneamento que os municípios já haviam começado a implementar.

Após décadas de incúria da administração central foram “oferecidas” aos governos locais. Estavam a dever muito à conservação. Débitos encapotados que rolaram do governo central para o local. E a Parque Escolar, com os novos secundários só não rolou porque essa dívida de mil milhões era demasiado evidente: estava registada por oficiais de contas.

Quando as competências dos governos civis foram esvaziadas os funcionários, os imóveis, as viaturas, o acervo documental foi adstrito ao Ministério da Administração Interna.

As atribuições, bem essas hoje estão nos municípios…

Quando o tristemente célebre “Mea Culpa” em Amarante ardeu, colocando a nu a falta de fiscalização das normas de incêndio, horários e condições de funcionamento que propiciaram a morte de treze pessoas em 1997 os mais atentos já adivinhavam que as competências dos Governos Civis iriam parar nas autarquias.

Porque os Governos Civis, à semelhança das Juntas Autónomas, só não faziam nada no mal dizer popular… A JAE, (escola de saber projectar em engenharia) foi desmantelada deixando de existir a Direcção Geral de Pontes, vazio que só foi descoberto com a tragédia de Entre-Os-Rios…

E a Junta Autónoma da Obras de Hidráulica Agrícola finada definitivamente com a criação nos idos de 1966 da Junta de Hidráulica Agrícola (na dependência em de uma secretaria de estado) é a prova provada de que a tendência para asnear retirando autonomia a organismos que funcionam, e aos quais ainda somos devedores, tem tradição firmada entre nós

Quando muitas das estradas passaram para os municípios o estado era deplorável nomeadamente no que dizia respeito às árvores de alinhamento que paulatinamente foram sendo abatidas: o mato alastrou nas bermas abandonadas ao longo de quilómetros.

Agora as equipas de sapadores municipais vão substituindo os cantoneiros nuns casos, noutros assiste-se à tentativa de transformar as estradas antes projectadas em ruas agora improvisadas …


Quando o nosso primeiro-ministro, pouco após o incêndio em Santo Tirso, diz o que disse da DGAV já ninguém duvida da passagem de serviços para as autarquias em matéria de

Medicina Veterinária. Passam serviços mas não passam competências…

Neste quadro actual de pandemia não é difícil antever a passagem das responsabilidades de fiscalização de Lares de Terceira Idade para as autarquias?

E alguns dirão “qual o problema?”

O problema do ponto de vista económico, é político e do ponto de vista político é económico.

A atribuição de serviços às autarquias sem que haja receita própria aumenta a dependência política do governo central. As autarquias correm risco de passar a ser uma espécie de direcções gerais partilhadas por diversos ministérios que comandam. Não há transferência de competências, apenas atribuição de serviços.

A dependência económica e de direcção sectorial da política ministerial veiculada através dos serviços municipais torna ainda mais opaco o sistema político: Aqueles que procuram com o voto premiar ou punir, por exemplo, políticas de saúde ou de educação estarão atentos nas eleições autárquicas? Ou nas outras? Afinal quem tem a competência?

Reina a confusão e a confusão faz reinar…

Setembro de 2020

João Basto

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