QUESTÕES. MUITAS QUESTÕES.
Qual o mecanismo essencial para criar riqueza numa sociedade de mercado? Por que razão algumas sociedades são tão prósperas? Como produzir a criar valor excedente e não apenas por uma transformação de soma nula?
Por que existem países sem grandes recursos naturais mas são prósperos como o Japão ou a Suíça? Outros países são imensamente ricos em recursos naturais, como a Rússia, Angola ou o Brasil, mas os seus povos mantêm uma pobreza interminável? Qual é o segredo?
A efetiva criação de riqueza não está tanto na exploração da Natureza que esquece o Homem, mas antes centrada no Homem que usa (com parcimónia) a Natureza.
O que sempre distinguiu o Homem dos restantes animais não foi a força e a sua destreza, mas antes a sua elevada socialização e sentido para a cooperação. Desde cedo os humanos sentiram a necessidade de se protegerem (em grupo) e, nesse âmbito, de comunicar entre si para cooperar mutuamente. Depois, o trabalho de grupo para a caça ou o processamento da alimentação apenas conduziram o cérebro a desenvolver aptidões racionais e sociais.
Nas várias civilizações, eram as cidades que atraiam os humanos, pois agregados poderiam comunicar e se proteger melhor. Daí surgia a divisão e especialização do trabalho conforme as aptidões individuais e a troca de bens através do comércio. Esta atividade foi sempre uma forma de comunicação e de conhecimento mútuo. Em paralelo, as cidades sempre foram uma forma eficaz de minimizar o consumo de energia para o agregado humano.
A riqueza extra criada na interação humana permitiu a alguns povos sobressair e conquistar outros pela força. Os impérios expandiam e prosperavam pela dinamização da interação e cooperação entre as suas regiões. Para tal, construíram e usavam redes de estradas (romanos), canais (chineses, ingleses), rotas marítimas (romanos, portugueses, ingleses). Depois criaram bolsas de valores e redes bancárias para dinamizar o comércio e o capital. Hoje, as nações que são mais prósperas usam intensivamente as redes de humanos (universidades, tribunais ou mercados), as redes de autoestradas, ferrovias, transporte aéreo e marítimo, ou a Internet.
O QUE TÊM EM COMUM ESTAS INTERAÇÕES?
Trata-se apenas de fluxos entre humanos. A distinção na criação de riqueza entre as várias nações não depende da quantidade de mão-de-obra ou matéria-prima disponível. Depende mais da dimensão da matriz de interações facilitadas pelos vários tipos de rede, obviamente coordenados, eficazes e eficientes. Este modelo baseado em fluxos confere um grau de complexidade crescente, com valor criado muito superior à soma das partes. Emerge aqui o conceito de sistema com todos os benefícios relativos a sinergias e inteligência. As sociedades modernas mais prósperas são cada vez mais semelhantes ao cérebro humano (Gomes, 2004) o qual integra biliões de ligações neuronais e assim cria valor a nível muito superior ao material (gordura) desse órgão.
O modelo que se baseia em fluxos conduz a abordagens económicas que são distintas do passado ou das economias atuais mais frágeis ou decadentes. Emergem assim três tipos de abordagens a reter (Taleb, 2018) que são:
a) A abordagem dinâmica em vez da (tradicional) estática, pois o sistema está sempre em evolução, é não-estacionário e não-ergódico.
b) Trata de entidades multi-dimensionais, pois agregam biliões de agentes que se influenciam mutuamente, e não apenas de mecanismos simples controlados por agentes únicos, como é um ditador numa autocracia.
c) A tónica de gestão deve incidir mais na interação do que na ação, pois a evolução futura depende mais do feedback entre agentes do que em ordens mal informadas a conduzirem a resultados desastrosos.
SÃO OS FLUXOS QUE LEVAM A CRIAR RIQUEZA
A sociedade moderna é sobretudo condicionada por quatro tipos de fluxos relativos a movimentação de pessoas, bens, informação e capital. Todos os fluxos são interrelacionados e interdependentes. Quando um tipo de fluxo é afetado, todos os restantes serão também influenciados. No final, será todo o sistema económico, como um todo, que é beneficiado ou prejudicado.
Tal como as estradas romanas do passado a mobilidade humana conduz a troca de informação e experiências individuais, disseminando-as pelo mundo. O motor de explosão e afins permitiu aos humanos saírem do confinamento dos centros das cidades quando a locomoção era pedonal ou animal. Acelerou ainda as viagens internacionais rápidas, logo a indústria do turismo. Porém, a outra face da moeda, a eficiência dos fluxos de pessoas facilita a disseminação de doenças contaminantes.
O mundo é muito diferenciado entre si. Sempre existiu vantagem em explorar as diferenças de cada economia, com recursos e especializações distintos. Para isso sempre serviu o comércio que interligou os diversos povos. O grande problema sempre foi a distância a vencer (tempo) e a energia de transporte que era necessário minimizar. A tecnologia permitiu reduzir muito os custos e os tempos de transporte, sobretudo pelas vias marítimas. Este fator deu suporte à globalização, sobretudo com a emergência da China e outros países asiáticos como fábricas do mundo. Numa ótica global o mundo ganhou muita eficiência.
A comunicação e a troca de informação foram essenciais para a criação das cidades. Como os fluxos de informação eram por via oral ou escrita em objetos físicos (como o barro ou o papel), determinava a proximidade entre as pessoas. Com a tecnologia, a informação e a comunicação puderam ser codificados em bits e estes transmitidos por redes de cabos ou eletromagnéticas para todo o mundo em tempo real. De repente, deixou de ser essencial a presença física, e emergiram novos conceitos e processos de base virtual. Imagine-se que toda a atividade humana, como a económica, pudesse ser definida e gerida por meios informacionais? Então, a atividade de base tangível pode ser localizada em qualquer ponto do globo, onde existirem vantagens e controlada por uma entidade a montante através de informação (Gomes, 2004). O peso das atividades intangíveis no valor total ultrapassa muito o peso dos itens materiais.
O dinheiro foi uma das maiores invenções do Homem. Além de atribuir valor quantitativo aos objetos, medir patrimónios, facilita a transação entre todos. Hoje as moedas correntes têm valor intrínseco nulo. O seu valor é intangível, provém da confiança que todos têm nos outros quanto a confiarem na moeda. Este conceito intangível fortalece certas moedas em relação a outras. Destaca-se o dólar que é base da maioria das operações comerciais mundiais. Em todo o mundo, o dinheiro é sobretudo informação que flui na Internet ou aplicativos entre telemóveis. O dinheiro passou a ser na economia global como o sangue (glóbulos vermelhos) que alimentam o sistema corpo humano. Como o sangue no corpo humano vivo, o dinheiro tem de circular constantemente pelo sistema global (David, 2020), senão o sistema morre.
COMO O COVID-19 AFETA A ECONOMIA ATUAL
A crise de 2008 teve origem sobretudo financeira dependente dos fluxos de capital e bens imobiliários exagerados pelo excessivo otimismo e ganância. Em consequência, a interrupção dos fluxos de capital levou ao pânico e perda de confiança geral, o que contaminou todo a economia mundial. Os efeitos não lineares deste estado conduziram à posterior crise das dívidas soberanas, com graves consequências em países como Portugal.
O COVID-19 trata de um evento que até já seria previsível! Mas, foi ignorado por todos nós. Quase ninguém tem a noção do sistema social e económico mundial em que já vivemos. Talvez tão ou mais grave do que a pandemia a nível global poderá imergir no problema da crise económica global em nascimento.
A prevenção do alastramento da doença obriga ao confinamento dos indivíduos e, isto, significa a interrupção dos fluxos de pessoas. Este facto implica todas as atividades que se relacionam com a presença ou a mobilidade das pessoas, seja o comércio, os serviços, o turismo, as viagens aéreas, os combustíveis de origem fóssil, etc. Esta quebra poderá atingir outras atividades económicas, pois todas se interrelacionam de um modo ou outro. Pode gerar-se um efeito dominó num círculo vicioso. Depois, a continuar, o efeito poderá afetar o mercado financeiro com os seus fluxos de capital.
A crise está a afetar os fluxos de itens tangíveis, como de pessoas e bens: por outro lado, parece beneficiar os fluxos de intangíveis, como as tecnologias de informação e comunicação, ou as relativas à saúde. São novas oportunidades geradas no novo ambiente disruptivo que está a decorrer. Irá certamente emergir um novo modelo económico nada relacionado com os do passado. Qual? Não sei!
No livro “Uma nova visão sobre o Imobiliário” abordo este tema sobretudo quanto à atividade imobiliária, essencial para a provisão de ambientes onde todos nós humanos estamos (vivemos, trabalhamos, descansamos, etc.).
REFERÊNCIAS:
- David, Dharshini, 2020, A Geografia do Dinheiro, Ediçõs Saída de Emergência, Taguspark, Porto Salvo, Portugal.
- Gomes, João Correia, 2004, An Integrated Process for Housing Investment and Financing, Universidade of Salford, Reino Unido;
- Taleb, Nassim Nicholas, 2018, Arriscar a pele – assimetrias ocultas na vida quotidiana, Temas e debates, Círculo de Leitores, Lisboa.
Lisboa, 27 de abril de 2020
João Correia Gomes
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