Vivemos em contextos cíclicos, com resultados algo indeterminados, mas limitados a certos padrões. Os contextos dinâmicos que nos envolvem são muito amplos. São a Natureza a que pertencemos, a vida em que existimos, o mercado em que interagimos, a economia em que prosperamos e o imobiliário que nos fornece os ambientes onde atuamos. Este tema foi abordado no artigo “Ciclos – Efeitos natural em processos dinâmicos como é o imobiliário”.
Projetar significa antever o futuro como num filme - uma cadeia de eventos sequenciada no tempo. Todavia, é ainda a intuição, julgada na base da experiência, o processo mais comum para a decisão. Como o contexto em que vivemos é complexo tal decisão subjectiva será cada vez menos acertada e os modelos de previsão mais correntes darão resultados cada vez mais errados. Num mundo de milhares de milhões de interligações, numa Natureza viva e complexa de inumeros agentes, nem todos humanos, o resultado pelo estimado pela intuição ou pela expressão de fórmula determinística (mecânica) cada vez mais levará a algo mais próximo do caos do que da certeza. A Natureza e a Humanidade não são máquinas cujo resultado esperado é o certo. Também o mercado, a economia e o imobiliário devem seguir a mesma linha de raciocínio.
O contexto atual precisa de modelos preditivos com abordagens distintas das ainda correntes.
A fiabilidade do resultado de um Projeto de Investimento, Plano de Negócio ou Avaliação (seja de negócio ou imóvel) requerem o desenvolvimento de modelos de análise e estimativa compatíveis com a nova realidade atual. Para já, adianta-se que essas projeções continuam condicionadas por dois parâmetros essenciais a prever que são:
1. A remuneração do investimento (ou de atualização);
2. Os cash-flows sequenciais ao longo do tempo do projeto.
Quanto ao primeiro número, infelizmente, constato que existe ainda muita dificuldade em aplicar números estimados com base racional, justificativos, e em atitude preventiva. A taxa de atualização, muito aplicada na metodologia DCF, com frequência é um número que emerge sem justificação, às vezes acompanhado de fórmula matemática, mas sem ligação justificada que parece assim mais um item decorativo para aparentar profissionalismo.
Em si, o número que emerge nos relatórios parece derivar mais da intuição (no sentido inglês do “gut feeling”) do que justificado num cálculo claro, racional e transparente. Ou, talvez derive de uma “yield” obtida em alguma publicação em que se desconhece a amostragem de base. Com frequência as taxas são números baixos, numa ótica sempre otimista, pois não consideram a avaliação do risco.
E, Futuro é risco.
Os cash-flows (ou fluxos de caixa) são os números que expressam o cerne para a existência sustentável de um negócio. Realmente, um negócio é uma máquina que gera cash-flows e tal é o facto que marca o interesse para a sua existência. Um negócio que, no médio prazo, não consegue passar a gerar cash-flows positivos está condenado. Variam no tempo pois estão sujeitos a cadências típicas a cada negócio (ou padrão da indústria), cujas receitas e despesas se diferenciam em períodos sequenciais. Derivam de rubricas intrínsecas a cada negócio, especificadas em Plano de Negócio ou Conta de Exploração, conforme o tipo de cash-flow.
Infelizmente, com frequência, tenho constatado que a atribuição ou previsão de cash-flows tende a ser muito enviesada face à realidade posterior. A regra comum passa por procurar nos números passados do negócio ou nos contextos envolventes a base para configuração dos números do futuro, quase sempre sem análise dos ciclos e dos contextos relacionados. Mas, o futuro não repete o passado.
Pior, com frequência, constato que a ótica tende a ser mais otimista do que prudente.
Por vezes, aplicam-se receitas (ou valores de venda) acima da média do mercado (por vezes até superiores ao seu máximo); ou então pelo método comparativo, usam-se os palpites de preços publicados (os famosos “asking prices”) para atribuição de valor, sem qualquer ajustamento devido a descontos negociais, flutuações de mercado, liquidez no mercado e particularidades do objeto. Por outro lado, não são raras as vezes em que os custos são demasiado baixos para a prática no mercado. Obviamente altos cash-flows, não afetados por maiores prémios de risco resultam em resultados positivos, mas muito ilusórios. Ajudam quem vende, mas prejudicam muito o comprador (ou investidor).
Requer-se foco na estimativa da taxa de atualização
Qualquer projeção de um negócio – análise de investimento, plano de negócio, avaliação – exige a disponibilização de boa parte do tempo para a definição da taxa de atualização dos cash-flows (ou taxa de remuneração do capital a investir no investimento). Não pode ser uma tarefa desprezada, mais rotineira tipo “one size fits all” em que se omite a análise de contextos do projeto, um processo que se requer racional e justificativo.
Na aplicação do método DCF, tanto para fins de avaliação de investimento (VAL) como na avaliação de bens e negócios (valor residual) a taxa de atualização permite avaliar o projeto em duas funções distintas:
· Como métrica comparativa da remuneração do capital com outras oportunidades, mas no mesmo nível de risco (custo de oportunidade de capital);
· Como métrica da fiabilidade dos números atribuídos (como os cash-flows) sendo tanto maior quanto menor for essa confiança face a indeterminação de eventos terceiros, volatilidade, potenciais perigos ou obstáculos no processo.
Funciona mais como um parâmetro defensivo para a análise e seleção de investimentos projetados no futuro do qual pouco (ou nada) se sabe. Não é tanto a rendibilidade esperada para o ativo, esta talvez melhor estimada pela TIR face à sequência de cash-flows. Para cada negócio deve estimar-se a taxa de atualização conforme, específica e compatível, coerente com os múltiplos contextos em que o ativo estará envolvido.
No atual estado de arte deste tipo de análise, balanceado com a necessidade prática de se proceder um cálculo acessível e rápido, continua a ser corrente a expressão matemática que se inspira nos modelos estimativos CAPM e APM. Para um negócio baseado em imobiliário, a expressão para a estimativa da taxa de atualização pode ser a seguinte:
a = Rf + β x [ E(Rm) – Rf ] + ε
em que,
· Rf é a taxa líquida sem risco disponível no mercado em questão;
· β é o coeficiente de correlação do tipo de negócio em questão com o mercado geral;
· [ E(Rm) – Rf ] é o prémio de risco de mercado geral onde se integra o negócio;
· ε é o prémio de risco específico do negócio em questão.
A primeira parcela expressa a rentabilidade mínima do capital disponível para o investidor, mesmo o mais conservador, sem assunção de riscos. Para um negócio de longo prazo como o imobiliário de exploração assume-se como a taxa das obrigações de tesouro com maturidades mais longas, como 10 anos, após liquidação devida a imposto (taxa liberatória).
A segunda parcela expressa o risco sistémico ou de mercado. O investidor não a pode excluir pois o ativo integra-se num determinado mercado, e é por ele sempre afetado. Assemelha-se aos barcos no mar que sobem ou descem com a maré, mas dele não podem fugir. Se o respetivo mercado estiver em recessão é pouco provável que o ativo atinja bons resultados. E vice-versa.
O coeficiente beta (β) tem a função de afetar o risco de mercado geral quanto à volatilidade. O setor do ativo é menos volátil se o beta for inferior a 1 e o contrário para beta superior a 1. O segundo termo da parcela corresponde à remuneração esperada por um investidor nesse mercado de capitais, se subtraída à taxa das obrigações de tesouro resulta no prémio de risco de mercado. Se o investidor não é nacional ao mercado em que investe pode acrescentar-se ao termo o prémio de risco do país, sendo também afetado pelo beta. Quanto a estes dois tipos de risco em diversos países do mundo consulte Damadoran (2022).
A parcela corresponde ao risco mínimo numa carteira de ativos muito extensa e diversificada, com ciclos de negócio desfasados entre si, contribuindo para a suavização do ciclo agregado. Obviamente, quanto menor e menos diversa for a carteira tanto maior será o risco agregado. Um ativo solitário tende a sofrer volatilidades mais extremas (picos mais altos e mais baixos).
Como o projeto de investimento (ou avaliação) incide sobre apenas um ativo existe então um conjunto de riscos específicos relativos a maior volatilidade e eventos não espetáveis do ativo. O prémio de risco é uma métrica que deve corresponder à probabilidade de ocorrência de um evento pelo seu impacto (perda) nos resultados. O risco de mercado já referido é uma função que deriva da probabilidade mensurável nos abundantes dados do mercado registados em séries mais ou menos longas. Os vários possíveis riscos de um ativo solitário, um protótipo, não têm o benefício de ter longos dados num projeto sem historial.
Todavia, os riscos específicos existem e poderão afetar ainda mais do que o risco de mercado. Não podem aplicar-se modelos baseados em estatística (pelo menos no estado atual, mas talvez no futuro com mais desenvolvimento da inteligência artificial, da medição automática e análise de grandes dados sobre todos os imóveis).
Resta a aplicação de alguma heurística para essa estimativa. Poderia passar pela elaboração de relação de eventos negativos (perigos e obstáculos). Existem eventos que podem ter alto impacto inviabilizando o projeto, mas a sua probabilidade não é possível estimar. Assim, a função mais essencial é a definição de (contra)medidas preventivas para mitigar a ocorrência desses eventos. O projeto em que se prevejam mais eventos negativos será sujeito à soma de mais pontos a converter em prémio de risco específico (em %).
Este tema é desenvolvido no livro “Uma nova visão sobre o Imobiliário”.
Lisboa, 23 de Junho de 2022
João Correia Gomes (Ph.D., Mestre em construção, Engenheiro civil)
GOSTOU? Então coloque um "gosto" e partilhe para os seus amigos.
Tem uma história para partilhar?
email EngenhoeArte@yahoo.com
Comments