A máxima criação de Valor não é obra humana, mas antes são os sistemas vivos criados pela Natureza, os quais integram o próprio Homem, como é a vida e a inteligência. Ao Homem só cabe copiar esses modelos naturais para se ultrapassar a si próprio e, não pelo contrário, para terminar com toda a Natureza que lhe permite viver. Surge aqui o conceito de sustentabilidade para suporte das atividades económicas dos humanos, tema do último artigo publicado.
A grande força do sistema sustentável, e que cria um valor muito superior ao total de recursos necessários, está sobretudo na grande interação das suas unidades elementares que reagem rapidamente, ajustando-se a nova realidade. Tratam-se de redes integradas muito completas de unidades colaborativas que agem de modo expedito ao menor sinal ou por tentativa e erro para se adaptarem a novos ambientes. Assim funciona o sistema imunitário para a vida ou a rede neural do cérebro humano para a inteligência. Um padrão essencial destes sistemas vivos revela-se nos ciclos que lhes permite incrementar evolução e dá-lhes antifragilidade (ficam cada vez mais fortes perante novas adversidades, desde que não sejam extremas).
A vida e a inteligência emergem devido a ciclos como os impulsos eletromagnéticos (sinapses entre neurónios), o ciclo de vida celular, a respiração, os ciclos de sono ou o envelhecimento. Os sistemas conseguem autorreforçar-se por se monitorizarem, reagem, respondem, recuperam, regeneram de modo natural. Quando sofrem intervenções externas, não naturais, então emergem reações que destroem os ciclos mais curtos para depois ganhar nos ciclos mais longos. Estes crescem até atingirem uma rotura posterior, essa mais drástica para equilibrar o sistema. Se mantiver a mesma intervenção externa, em consequência os desequilibrios irão aumentar (maiores volatilidades) nos ciclos maiores (mais espaçados) até à rotura mais extrema, como a morte mais prematura (ciclo de vida do sistema).
Em estado de saúde, o corpo humano deteta a envolvente, reage e ajusta-se com pequenas volatilidades. Autorreforça-se. Se tais ambientes forem naturais, logo compatíveis, essas variações passam a compor ciclos médios com volatilidades mais suaves. No ciclo de vida, o sistema vivo tende a preservar-se em suave volatilidade, mas muito longa. Caso contrário, ações externas não naturais, como a entrada de açúcar ou tabaco no sistema, tendem a provocar disrupções e volatilidades exageradas como é o cancro (células que crescem e não morrem) ou a degeneração mental.
Uma das maiores invenções humanas, até semelhante aos sistemas naturais, foi o Mercado. Sublinha-se sobretudo o mercado perfeito, aquele que é constituído por infindos agentes que interagem e trocam entre si por fluxos em redes físicas e virtuais, mas não existe domínio individual de um agente sobre outros. O mercado assemelha-se ao sistema natural porque integra informação (ou ADN) em agentes (ou células) que se integram em redes (ou órgãos) em composição cada vez mais complexa (ou inteligente, viva).
Ambos os sistemas confrontam múltiplas incógnitas sempre mutáveis, pois também dependentes de outras variáveis.
No mercado, cada agente confronta-se com questões simultâneas para que não tem resposta mensurável e certa. Tem de percecionar com a informação disponível, imediata e pouco fiável. Acerta ou é prejudicado, podendo mesmo ser excluído do sistema (ruína):
· Qual é a qualidade certa para o mercado? (depende dos atributos e segmentos);
· Qual é o preço certo? (sabendo que o preço é mais um palpite);
· Qual o valor percebido pelo cliente? (pois o valor não passa de uma opinião);
· Que concorrência tenho? (sabendo que a oferta afeta o preço, e este a procura);
· Quais os recursos disponíveis? (já que afeta o custo, e este nem sempre é um facto);
· Como chegar ao cliente que tem de percecionar o valor? (conhecimento e transporte).
A grande vantagem dos sistemas mais prósperos estava na decisão sobre transações (fluxos) tomada ao nível mais micro pelos agentes de base. Estes detetam e reagem ao ambiente próximo em tentativa e erro, correndo o risco individual de ruína em caso de falha. Para ganharem vantagem, os agentes aglutinam-se em redes colaborativas de troca de informação e apoio mútuo através de associações, seguros, financiamentos mutualistas, compras conjuntas, aglomerados empresariais. A prosperidade geral é conseguida por um modelo em que a volatilidade é padrão, em que a informação e o capital flui livremente, embora de forma natural elimine agentes que se desviem do equilíbrio do sistema (tal como as células para não degenerarem em cancro).
O modelo de mercado natural (digamos, mais liberal) ao prosperar muito passou a captar o interesse do Poder (Monarquia, Estado, Monopólios artificiais) que o capturou para os seus interesses próprios. A intervenção do Poder passou para um patamar não natural, na gestão de atributos (impostos, restrições) decididos por uma burocracia ou poder político afastados do mercado, na distribuição assimétrica de capital e do retorno, nos benefícios não equitativos (impostos, subsídios). Muitas economias não chegaram a ter fulgor nem competitividade, sendo apenas reféns do Poder, em sociedades apáticas e conformadas com impostos e leis que as controlam e afastam investidores externos de outras sociedades. E o destino será a eterna pobreza.
Atenção, as Instituições (sobretudo publicas) tiveram uma importância crucial para o sucesso da economia de mercado, como unidades aglutinadoras da sociedade, como reguladoras, como base para a confiança geral. São, por exemplo, o principal suporte do dinheiro (outra grande invenção humana) que hoje em dia não passa de informação transacionada através da Internet (como o multibanco).
E o imobiliário?
O imobiliário é parte nuclear de uma economia moderna, não apenas como um setor que constrói infraestruturas e edifícios, mas sobretudo como o criador, fornecedor e gestor dos ambientes onde a sociedade age, como a Economia. Claro que não é apenas habitação, escritórios ou centros comerciais. É tudo o que liga a existência humana ao planeta o que abrange o próprio oceano (sobre este tema ler o livro “Uma nova visão sobre o imobiliário”).
Nesta ótica, como os humanos são seres intrinsecamente físicos ligados ao planeta Terra, o imobiliário deveria ser entendido como o setor económico mais importante de todos.
A correlação entre o setor imobiliário e a respetiva economia é forte, mas diverge muito entre sociedades. Para o caso do setor residencial, o estudo de Zelazowski (2017) verifica que em boa parte das economias europeias existe uma correlação na ordem de 0,6-0,7. A economia alemã é menos correlacionada (na ordem de 0,4) o que pode justificar-se pelo enorme peso do setor produtivo industrial para exportação nesse PIB. No outro extremo de correlação pode situar-se a economia portuguesa, cujo setor industrial de exportação não tem grande peso. É uma cultura que enfatiza a posse de património imobiliário (casa própria e segunda habitação) em que o setor de exportação com maior peso no PIB é o turismo, um setor de serviços muito dependente do imobiliário (que não são só os hotéis).
Tal como os sistemas vivos e de mercado parece óbvio que o setor imobiliário funcione do mesmo modo: seja acionado por quem procura espaço e ambientes para existir e operar e encontre reação por quem veja nisso uma oportunidade para criar valor. Muito além da ação do Estado para produzir habitação para a população, cumprindo um requisito constitucional, o imobiliário deveria ser uma indústria dinâmica que acompanha a sociedade e a economia com todas as suas volatilidades.
Para algumas economias é percetível que dependam das volatilidades dos respetivos mercados residenciais, e não o contrário, o primeiro conceito referido por Zelazowski (2017). Esta situação indesejável deve verificar-se mais em economias com frágil produção industrial, que assim concentram riqueza no edificado, o qual é sujeito a excessiva carga fiscal como principal fonte de alimentação da máquina publica, cuja crescente máquina burocrática obstrói a potencial dinâmica dos seus agentes.
A intervenção estatal configura-se como um veneno que matará toda a economia e por fim o próprio setor publico por ela alimentado. Os ciclos naturais deixam de existir, dependem da (pouca e errada) intervenção pública e condicionam a iniciativa privada para decisões erradas. Está na base da crise do sub-prime de 2007-2008 que se alastrou a todo o mundo.
Foi a intervenção publica que condicionou o mercado português a produzir quase apenas habitação para venda, a desprezar o arrendamento, e a ficar cego perante outros potenciais produtos. Retirou dinâmica ao setor produtivo imobiliário que pouco evoluiu nos últimos 50 anos, não explora os instrumentos para a captação de capital externo e perde dinâmica em criar valor na fase de utilização do imóvel.
Pela natureza da economia liberal não existiriam restrições fiscais, burocráticas, legais, mas apenas a regulação quanto a segurança, ambiente, conforto ou saúde a cumprir. Nesse caso, seria provável que os agentes do mercado produzirem bens imobiliários (espaço e ambientes) conforme a sua perceção e competição.
Neste âmbito, a produção imobiliária tenderia a ser muito mais diversificada, mas ligada e dependente das volatilidades da economia. É a versão que pode ser descrita pelo mercado e economia americana apesar de toda a sua intervenção publica. Trata-se do segundo conceito referido por Zelazowski (2017) em que o imobiliário segue o comportamento da economia – tema a desenvolver em próximo artigo.
Num terceiro conceito, o mercado imobiliário seria pouco interdependente da economia onde está implantada. Esta seria uma versão muito evoluída do mercado imobiliário, transformado em plataforma de venda de serviços (Gomes, 2018) que não apenas de habitação, mas sobretudo ligada a exportação de serviços de uso. A sua independência da economia nacional estaria relacionada com as fontes de capital, sobretudo externo e muito diversificado, obtidas por veículos de titularização, tema explorado na minha tese de doutoramento (Gomes, 2004).
Referência:
Gomes, J. Correia, 2004, “An Integrated Process for Housing Investment and Financing – An Application in the Portuguese Context”, Ph.D. Thesis, University of Salford, UK.
Lisboa, 8 de Junho de 2022
João Correia Gomes (Ph.D., Mestre em construção, Engenheiro civil)
GOSTOU? Então coloque um "gosto" e partilhe para os seus amigos.
Tem uma história para partilhar?
email EngenhoeArte@yahoo.com
Comments