Nestes dias atribulados, as notícias apenas comprovam que a natureza humana é afinal intrinsecamente predatória. Nos seus grupos tribais, facilmente criam que levam à guerra. Sem consciência de futuro nem da destruição que provocam, os humanos consomem o ecossistema Terra que os integra, serve e alimenta. E isto até à exaustão. No limite, o sistema vivo poderá extinguir os humanos.
A guerra tem consequências muito gravosas. A instabilidade no fornecimento de fontes fósseis para a energia deverá levar às sociedades a repescar velhos modelos de produção poluentes e mais predatórios. A crise deverá espoletar a sociedade a regredir atitudes e processos produtivos. Porém, está latente uma exigência básica, até superior a toda a horrível destruição pela guerra, que é sobreviver em comum no único planeta limitado a que pertencemos.
Regredir para modelos produtivos dos últimos séculos pode revelar um caminho sem retorno, a conduzir para a extinção geral da humanidade. Claro que tais modelos ainda muito presentes foram eficazes e eficientes para tirar da miséria e da morte milhares de milhões de humanos. O ecossistema conseguia suportar e absorver todos os inconvenientes enquanto os modelos beneficiavam apenas uma pequena fração da população humana.
Mas, por si próprio, este sistema vivo não consegue regenerar para oito mil milhões de humanos ansiosos por consumir nos padrões mais altos a que têm direito. Não é possível extrair, destruir e matar continuamente sem fim o subsolo, solo, mar, atmosfera com dimensão limitada, nem toda a natureza viva, num ritmo tal que esta fica incapaz de se regenerar e repor.
Contra as vozes conservadoras ou oportunistas, cada vez mais o modelo produtivo terá de mudar. É premente que se revele sustentável para que proporcione alguma vida e esperança para as gerações futuras. Isto, literalmente. Senão será apenas o caos e a morte para os nossos filhos e netos, não interessa a riqueza material a deixar-lhes, sem valor se eles não puderem respirar nem alimentar sem veneno!
Existe um modelo produtivo que se revela muito superior aos aplicados pelos humanos e que os serve também - a Natureza aplica-o (Gomes, 2022). É preciso atuar a partir do exemplo de uma entidade mais inteligente que tem tecnologia superior à dos humanos, a própria natureza. A superfície do planeta livre para a natureza não pode continuar a ser continuamente conquistado e destruído para abrigar e alimentar os crescentes milhares de milhões de humanos. Como são quase oito mil milhões, no conjunto, a humanidade está a tornar-se uma praga mortífera.
Uma guerra (que pode tornar-se total) entre humanos quando decorre já um conflito entre a Natureza e o Homem apenas acelerará o ritmo de degradação que experienciamos. Revela também o nível de inconsciência das sociedades humanas no mais elevado patamar. Sobretudo as que se julgam avançadas quando afinal prevalecem os instintos animais básicos, predadores no pior sentido.
Existe esperança? Emergem oportunidades?
Todos os processos produtivos humanos dependem da matéria, informação, inteligência e sensibilidade (Gomes, 2021). Nas últimas décadas verifica-se que os processos económicos que mais criam valor dependem mais de fatores intangíveis, movidos no mundo virtual, do que fatores materiais, apenas explorados no mundo físico (Gomes, 2018). Tem sido a inteligência racional, como o conhecimento científico e a engenharia inovadora (não a conservadora ainda presa aos velhos dogmas) que tem marcado a diferença na criação de valor sustentável.
O modelo que ainda prevalece no mundo é o contrário do sustentável. Pode observar-se que a maioria das economias dependem muito da extração de matérias primas, como os combustíveis fósseis, ou do esforço humano a um nível abjeto. São sobretudo autocracias ditatoriais, que exploram e enganam a sua população que é presa pelo medo ou ignorância. Apenas encontram soluções de saída económica através do conflito ou do saque que podem culminar em guerras e invasões. Entre tantas autocracias espalhadas pelo mundo, a Rússia é um bom exemplo de economia insustentável.
No mundo global dos negócios, a atitude instalada passa por desprezar o ecossistema, cuja destruição ou esgotamento são colaterais como problema dos outros (ou de todos, mas de forma muito diluída). O único foco é a fórmula mais simples do lucro. A conta de exploração do negócio apenas contabiliza recursos a pagar e registar no balanço contabilístico.
Na avaliação do negócio tende simplesmente a aplicar-se o método de custo (afinal uma soma) ou o método comparativo ou do mercado (ver como atuam os outros, qual rebanho) sem procurar soluções alternativas para o processo produtivo, podendo recorrer à inteligência e criatividade com custos relativos baixos e sobretudo desmaterializados.
Quanto aos colaterais, como o envenenamento ambiental ou o esgotamento dos recursos marítimos, são um problema para os governos resolverem, mas apenas a pagar com impostos sobre a população, nunca sobre as empresas. O Bem Comum e a Natureza estão à disposição do saque geral sem custos para os saqueadores.
Por outro lado, as economias que tendem a ser mais ricas procedem de modo diverso. Valorizam sobretudo os fatores intangíveis como o conhecimento humano e o alto padrão institucional que aplicam. As instituições são usadas para ajudar os cidadãos e dar-lhes confiança, não para os explorar com impostos, burocracia, desmérito para privilegiar elites.
Como são economias com baixos recursos materiais, valem-se dos sistemas de informação e instituições (software) e das pessoas (humanware). A natureza é aproveitada ao máximo para ser continuamente regenerada. Um dos poucos exemplos a observar e copiar é Israel.
Por outro lado, existe já a tecnologia que pode capacitar toda a humanidade, assim queira. Para usufruir de um modelo sustentável a copiar da própria natureza, conjugam-se múltiplas tecnologias cuja expansão pode acelerar o progresso e prosperidade geral a ritmo exponencial (Diamandis e Kotler, 2020). E, este deveria ser o caminho a adotar pela humanidade. Espreitam novas áreas de conhecimento e desenvolvimento para a engenharia do século XXI. Constata-se já que a tecnologia, sobretudo nas áreas bio, nano, informação ao atuar num nível inferior ao micro (gene, atómico, binário) podem transformar o quase nada físico em novo com altíssimo valor acrescentado.
Avançam alguns passos tímidos para não incomodar o status-quo. Mas, o ritmo de mudança global é demasiado lento. Manter o ecossistema vivo não será sustentável com a mesma política económica das últimas revoluções industriais. Apesar de tímido, um primeiro passo para mudar do modelo produtivo-económico deverá ao desenvolvimento de medidas de ESG. Estas irão exigir uma colaboração intensiva entre várias especialidades profissionais, como a engenharia, gestão e economia.
Os projetos económicos terão de ser avaliados segundo critérios que possam abranger em equilíbrio os requisitos relativos ao ambiente (Environmental), pessoas (Social) e processos de decisão e económicos (Governance). A ideia não é gastar mais na produção, pois essa é a abordagem tradicional de pensar os negócios (método de custo). A ideia é atuar de modo diferente com grande foco no processo, nos seus fluxos (não apenas de capital), com novas atitudes, com abordagens de longo prazo e prevalência do virtual sobre o real.
Diferente do que foi no passado, a avaliação e decisão de uma atividade económica é cada vez menos uma fórmula de uma só variável. É cada vez mais uma matriz multivariável, logo complexa, cujos resultados serão não lineares, logo com potencial de variação exponencial. Cabe aos agentes económicos e políticos atuar para esses resultados serem positivos e sustentáveis, não autodestrutivos como estão a ser.
Uma das mais importantes estratégias para a evolução do sistema produtivo passará por uma das óbvias características humanas – a sua existência física e social. Uma das principais invenções humanas que conduziu à civilização humana e ao seu domínio no planeta (será?) foi o espaço urbano ou cidade. A cidade cria ambientes apropriados para segurança, conforto, eficiência e interação humana, mas ocupa e depende de vastas áreas da superfície terrestre. O conceito de cidade continuará a ser ponto chave para solucionar boa parte dos problemas futuros da humanidade.
Será tema de próximo artigo.
Lisboa, 22 de março de 2022
João Correia Gomes (Ph.D., Mestre em construção, Engenheiro civil)
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Obrigado pela clareza na abordagem a este nosso tema, Professor João Gomes.
De facto, o egoísmo, produto do exagerado egocentrismo do Homem não só entre os seus pares como na relação com os ambientes naturais gratuitos, oferecidos pela natureza e naturalmente à sua disposição, conduzirá inevitavelmente a que as próximas gerações sejam "pobres na riqueza". No futuro, a riqueza tal como a conhecemos hoje, já não poderá configurar uma característica pessoal e de destaque individual mas sim algo coletivo, que se cultiva e cuida em comunidade. A manter-se a atual tendência, talvez sejamos confrontados com a necessidade de pelo menos, recuperarmos hábitos de vida antigos que já não vemos ou por comodidade não estamos interessados em ver.
Não nos será…