top of page
Foto do escritorJoão Correia Gomes

O IMOBILIÁRIO É ESSENCIAL À SOCIEDADE HUMANA? MAS, QUAIS OS FUNDAMENTOS?

Atualizado: 2 de dez.

O mundo é feito de eventos, não de coisas

(Carlo Rovelli, 2022)


Aumentam os alertas para a premente necessidade de habitação acessível. Passou a ser um designio nacional quando, em risco, está a própria coesão social e a redução demográfica de jovens, os quais a economia e a sociedade precisam de manter, apenas para existirem. Todavia, a sociedade parecem não conseguir responder ao desafio. Assim, como metodologia, é preciso analisar as causas desse efeito a aprtir dos contextos e restrições observados para poder ultrapassar os obstáculos. Neste processo, o setor imobiliário desempenha um papel central para concretizar tal fim. Assim, neste artigo abordam-se os fundamentos do setor imobiliário que sempre se integrou com a sociedade que deve servir.


Vivemos numa rara era de profunda revolução e convulsão. As tecnologias em emergência, e algumas são muito disruptivas, estão a alterar as perceções gerais (das sociedades e dos indivíduos humanos) sobre tudo e todos, como tudo funciona, as instituições, a política, a própria cultura dos povos. Infelizmente, nem sempre tais perceções e mudanças têm base racional, sendo algumas até mais emocionais, baseadas em instintos primitivos que chegam a rejeitar a informação verdadeira esclarecida e racional.


Estamos, de facto, no limiar de um novo mundo, em que os valores serão diferentes do passado a que nos habituamos, mas todos temos dificuldade em largar, apesar da inovação das tecnologias que se usam para adquirir tais perceções. Face aos curtos ciclos eleitorais, os políticos dos regimes liberais democráticos construídos em outra base social-informacional-tecnológica têm dificuldade em decidir e avançar neste caos de perceções, pelo menos até quando for possível outro suporte institucional que gere novos equilíbrios.


O imobiliário liga-se intrinsecamente às sociedades humanas desde que se estabeleceram em pequenos aglomerados agrícolas. Através da ação física desde a alteração da morfologia natural dos terrenos naturais à produção de infraestruturas, construção de edifícios públicos e privados, estradas, fortalezas, o imobiliário serviu e adaptou-se às sucessivas civilizações humanas, evoluindo com elas. Nestes últimos milhares de anos existiu sempre uma íntima e biunívoca relação entre cada civilização e a sua produção imobiliária. Mas, tal relação nunca foi estável, nem constante. As sociedades mudaram e os modelos de produção imobiliária adaptaram-se aos novos contextos sociais, políticos, tecnológicos, económicos.

 



Na realidade, desde a primeira civilização o imobiliário serviu para satisfazer necessidades ambientais que se adequavam às atividades e contextos humanos. Em sentido contrário, os próprios ambientes que envolviam as sociedades humanas influenciavam as formas de produzir imobiliários. Tratam-se de efeitos ação-reação (feedback) que têm conduzido a movimentos evolutivos, por vezes com resultados não-lineares positivos para as sociedades na sua prosperidade e civilização.


Os humanos precisaram de criar ambientes ajustados para se desenvolverem biológica, cerebral e socialmente. Nesta base nada mudou, pelo contrário, reforçou essa necessidade. A moderna sociedade de mercado vive, prospera ou definha, se enquadrada em ambientes interligados e interdependentes, conforme livro "Uma Nova visão sobre o Imobiliário".



Na ótica física, a produção imobiliária transforma a Natureza (na forma de solo e materiais) em espaços-tempo com características apropriadas à condição humana (segurança, conforto, saúde, eficiência).

Neste processo, o uso desregrado e cada vez mais exagerado dos recursos limitados do planeta pode apenas conduzir à própria extinção da humanidade. Mas, muitos não acreditam nisso, e iludem as massas ignorantes que se encaminham para o abismo. Emergem conceitos como a sustentabilidade para, de alguma forma, despertar os humanos da sua senda sonâmbula, em consciência e em ação.


Nesta sequência o setor imobiliário condiciona e é condicionado por ambientes humanos. Tornaram-se peça essencial da civilização. Por exemplo, estão na origem das cidades em cuja proximidade humana alavancou a interação, o pensamento intelectual e a criatividade, a propensão para o empreendedorismo ou o risco, formou o cadinho para emergirem as instituições, o mercado, ou a arquitetura.

O produto imobiliário não pode isolar-se dos humanos. Antes, os deve servir. Por essa razão, os atributos de valor imobiliário mais significativos são os de interação (o famoso mantra localização, localização, localização) e os dinâmicos. Os ambientes humanos aceleram a civilização, mas cuidado, com frequência também geraram o caos, a destruição e morte.


Para mitigar tais riscos os humanos criaram instituições que funcionam como travões ou agregadores. As sociedades dependem de estruturas institucionais que têm a função de gerar confiança aos seus membros.

As sociedades modernas e prosperas são altamente institucionalizadas. Além das estruturas burocráticas de Estado, as igrejas, um exemplo é o sistema financeiro, cujo recurso não é o dinheiro, mas a confiança que tem de gerar para o suportar. Também a atividade imobiliária é altamente institucionalizada. Abrange desde o registo na Conservatória até à essencial captação de capital para a promoção de empreendimentos. Este tem sido um dos grandes óbices para o modelo económico imobiliário, razão para o incumprimento da sua missão, como a oferta de habitação acessível, mas ajustada às necessidades da economia moderna e aos requisitos dos portugueses, sobretudo os jovens urbanos.


Para finalizar não pode ser omitido o ambiente informacional que envolve as sociedades. Este evoluiu das primeiras ancestrais placas de argila até aos atuais sistemas informáticos, Internet e Inteligência Artificial. O imobiliário foi sempre um meio de comunicação das sociedades, na afirmação do poder que construía pirâmides ou obras de regime. É a tecnologia de informação que irá influenciar de sobremaneira o setor imobiliário, cujo modelo produtivo terá de ser cada vez mais desmaterializado para conseguir atingir os objetivos referidos no início deste artigo.


Na sociedade moderna, pensar e produzir imobiliário exige a cooperação dos vários grupos sociais como forma de ganhar valor, com eficiência e eficácia. Isto significa agir no imobiliário como se fosse um sistema – um conjunto agregado de unidades (ou materiais) mais simples, com uma certa coerência e integração de modo a obter um todo com valor muito superior à soma dos custos das partes. Um bom exemplo de sistema é o corpo humano, uma máquina maravilha cujos materiais de base custariam alguns euros, mas o resultado pode valer muitos milhões.


Neste propósito de sistema, o cientista americano James Graaskamp (1981) propõe o processo de empreendimento imobiliário como um sistema em que que sublinha a interação colaborativa dos diversos subsistemas da sociedade – social, político e económico.



A sociedade moderna aplica esta relação para projetar e executar as infraestruturas e espaços edificados que satisfazem as necessidades do grupo consumidor de espaço, ou seja, todos nós, humanos, que na mesma vivemos e usufruímos.

Fica bem sublinhado que o Estado é um protagonista central no planeamento dos espaços publicos comuns e infraestruturas enquadrando depois toda a oferta de imobiliário.

Logo, não será possível oferecer produto imobiliário para os cidadãos se existir desleixo ou omissão pelo lado do agente publico no que se refere às suas instituições.

É ao Estado que cabe todo um enquadramento de base (o ambiente institucional) que permitirá inovar (tanto nas mentes dos cidadãos, como dos produtores), dar confiança aos agentes (desde o setor produtivo como o financeiro), atrair capital, por fim construir e disponibilizar espaço para os seus cidadãos.


Se percecionar que o ambiente institucional é apropriado, sentido confiança, rapidamente o grupo privado produzirá espaço edificado que sirva a sociedade quanto às suas necessidades, mas com soluções eficazes. Por sua vez, também o grupo privado precisa de operar de forma mais colaborativa e integrada para ganhar as vantagens sinérgicas proporcionadas peloo sistema. Não é raro observar que os diversos subgrupos do grupo produtor de imobiliário operam de modo independente, desligado e até práticas de agressividade competitiva menos colaborativa.   


Todos os subgrupos do sistema produtivo de imobiliário têm funções essenciais no processo de empreendimento imobiliário. Não são ilhas que se consideram centrais no setor e ignoram os outros subgrupos (conforme figura abaixo baseada em Stephen Peca, 2009).



O subgrupo físico reconhece-se pelo conjunto de profissionais de Arquitetura, Engenharia e Construção (AEC). A sua função incide sobre os fatores produtivos devidos à racionalização, conceção, planeamento, execução e gestão do objeto imobiliário.

O subgrupo mercado tem a função essencial de ligar o produto ao mercado que compra, vende e consome imobiliário. Sobretudo integra os profissionais e empreendedores da promoção, mediação, avaliação imobiliárias.

O subgrupo financeiro tem a função central de prover capital ao projeto imobiliário, paga, mas espera rendimento e criação valor. Porque trata de capital beneficia, em si, de um enorme poder negocial sobre os restantes subgrupos. A forma como entende o processo produtivo conduz, infelizmente com frequência, a meras táticas financeiras de corte (cego) de custos sobre o subgrupo físico (fornecedores), o qual tende a ser negligenciado, embora beneficie o subgrupo mercado que perceciona como fonte de rendimento.   


No próximo artigo, com base nos fundamentos aqui descritos, explorarei as razões para não ser, por ora, possível enveredar por um caminho de oferta de imobiliário que satisfaça a nossa sociedade atual. Por exemplo, quanto a oferta de habitação acessível e compatível para os jovens e classe média nacionais.


Lisboa, 29 de Novembro de 2024


João Correia Gomes (Ph.D., REV, Mestre em construção, Engenheiro civil)


GOSTOU?  Então coloque um "gosto" e partilhe para os seus amigos.

Tem uma história para partilhar?

 

 

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page