O atual paradigma de sucesso em negócios é, sem dúvida, a Amazon. O seu criador, Jeff Bezos, descobriu a sua oportunidade ao ligar o comércio de retalho por catálogo à Internet na satisfação da crescente procura por produtos desejados por obra do marketing, mas com fácil acesso e escolha no grande “supermercado” global interligado online.
O seu serviço intervém na vasta rede de consumidores e produtores interligados na Internet à escala mundial como gestor dos fluxos de informação, transações, logística e transporte inerentes a essas imensas transações. Aqui emergem duas palavras, interligação e liquidez.
O negócio baseia-se na venda de serviços e não depende de patrimónios (imobiliários) ou da formação bruta de capital fixo. Tal acontece com outros negócios de sucesso também similares como é a Google, a Uber ou Airbnb.
O paradoxo é que estas empresas ganham valor a gerar cash-flow, mas o seu atual valor de mercado ultrapassa muito o valor intrínseco. Este estima-se pela sequência de fluxos de caixa que serão gerados pelo negócio, mas a atualizar por uma taxa que assuma os riscos sistémico e específicos inerentes à dispersão e desvios de números, os quais só poderão ser verificados à posteriori. São os resultados positivos gerados que estimulam nos investidores a confiança que induz a procura de títulos.
O comportamento do mercado, com frequência irracional, conduz a um efeito de bola de neve que está a beneficiar os seus acionistas (como o Jeff Bezos). Porém, uma pequena faísca poderá desencadear uma reação contrária levando à venda apressada de títulos, conduta típica já avisada por Taleb (2004) em Iludidos pelo Mercado. Depois, na fase de ajustamento do mercado, restará o valor intrínseco que é focado por investidores como Warren Buffett que atuam de outro modo.
Mas, precisamos de um modelo sustentável na economia?
Se o comportamento da natureza fosse semelhante ao da economia humana, na forma como desperdiça e esgota a matéria, ou contamina a atmosfera, então a humanidade nunca teria tido a oportunidade de existir. O planeta seria um deserto morto ou então ocupado por outro tipo de espécie!
Requer-se um modelo económico que confira um futuro. Como a natureza, também as sociedades, economias e negócios nascem, crescem e morrerão. Todavia, ao contrário dos setores humanos, na sua ação a natureza retira do solo apenas os nutrientes que precisa e volta a repor e do sol a energia para os transformar em utilidades, como são os seres humanos ou a flora (Smil, 2019, 173).
O segredo estará no modelo de ação, o qual terá de mudar (ler o meu último artigo). A economia cria valor apenas porque existem fluxos. A obra humana não passa da execução e gestão de estruturas que servem para dinamizar os fluxos nas sociedades. São estradas, aquedutos, canais, túneis, rotas marítimas e aéreas, transportes, redes (Smil, 2019), edifícios, enfim tecnologia. Hoje em dia, até a Internet que acelera os fluxos de informação, logo o metabolismo da economia. Foi essencial a codificação dos fluxos económicos (pessoas, energia, matéria, informação) para variáveis como são o tempo (planeamento) e o dinheiro (cash-flows).
O corpo humano vive porque as suas células se interligam trocando informação e nutrientes, e assim depende da ação de milhões de milhões de bactérias. A economia mundial estrutura-se em milhões de unidades (empresas) que se interligam, trocam informação, bens, serviços e dinheiro. Estas dependem de milhares de milhões de humanos que nelas trabalham, compram e consomem os seus produtos.
Para funcionar, o sistema requer ordem e regras. As instituições (North, 1990) regulam e controlam essas relações através de governo, tribunais, reguladores, polícia. Mas, este controlo é tarefa muito sensível. Se for exagerado conduz à estagnação. Em economias autocráticas (Coreia do Norte, Cuba) a intromissão estatal desajusta os milhões de pequenos interesses e fluxos que deixam de ser naturais. Para estar afinada com a sociedade de mercado as instituições devem fomentar e facilitar os fluxos entre as múltiplas unidades, reduzir custos de transação.
O excessivo controlo conduz à disfunção geral face ao crescente abismo (de óticas) entre o poder e células da economia. As instituições passam a atuar como travões à dinâmica natural dos fluxos económicos, logo levam à estagnação. O poder induz a ineficiência institucional, observada na lentidão de tribunais e da burocracia cada mais devoradora, os quais se distanciam da economia que as remunera (de certo modo ficam autofágicas). Portanto, as instituições não devem aproveitar-se da sua vantagem de autoridade para ter proveito próprio (ou para as suas elites), cuja alimentação estéril seca e contamina todo o corpo socioeconómico, como se fossem células defeituosas de um cancro num corpo vivo.
A interação das unidades económicas deve ser livre, embora sujeita a requisitos de equidade e ética comuns na sociedade que a protegem, sendo ligadas por contrato cujo fim é minimizar custos de transação (Coase, 1988).
E quanto ao imobiliário?
O imobiliário tem a função de prover ambientes com melhores condições de interligação, um dos principais atributos de criação de valor (tema abordado no livro de Gomes, 2018). O imóvel adquire valor quando dispõe melhores redes nos ambientes humanos, físicos e naturais através de infraestruturas, acessos, transportes, serviços. É um atributo que se liga ao mantra tradicional “localização, localização, localização”.
Na sua raiz, o atributo base do produto imobiliário não é tanto o objeto edificado, mas o ambiente que o mesmo configura. O conceito imobiliário deve focar mais o uso de espaço e de ambientes que são vendidos como serviço que gera cash-flow no tempo, logo estimula interligações entre as multiplas unidades. Interessa elevar o número de transações com valor acrescentado para um uso mais intensivo dos bens produzidos a partir dos recursos materiais do planeta.
É assim mais eficiente rentabilizar no longo prazo o capital investido de que por venda esporádica de imóveis construídos, um modelo já muito ineficiente, castigado por impostos face à sua condição de registos. A baixa liquidez promovida pelo sistema institucional tornou-se o grande obstáculo competitivo do atual negócio imobiliário.
A liquidez pode definir-se como a facilidade de transformar um ativo em dinheiro (cash) sem perdas significativas de valor (dicionário financeiro). Em comparação com outros ativos, o imobiliário é prejudicado na transação (esporádica, cara e sujeita a muitos impostos). Para ganhar eficiência produtiva, o projeto imobiliário precisa de escala para ganhar com processos mais racionalizados, industrializados, modulares, melhores projetos e mais planeamento. Até porque os projetos de negócio mais pequenos tendem a ser mais artesanais, a desperdiçar mais, a dispor menor folga para funções racionais (projeto, planeamento), são mais fáceis de copiar pelos concorrentes. E assim tende-se para a pobreza.
A liquidez beneficia o nível de risco, este é o fator crucial para atrair capital de investimento (externo) que, de outro modo, procura outros ativos mais eficientes. Até o modelo de negócio padrão atual – construção de habitação para venda - beneficia de uma revolução de liquidez que emergiu na década de 1950. O imobiliário atual não teria a mesma dimensão se não fosse a propriedade horizontal e do crédito hipotecário que são processos institucionais. A banca apenas capturou a sua oportunidade de ouro devido à extrema carência de capital de longo prazo (através do crédito à habitação) e assim aumentou a liquidez do produto imobiliário.
No negócio imobiliário tradicional, a mediação é, apesar de tudo, a atividade melhor cotada, sobretudo quando comparada com a engenharia, arquitetura, planeamento, avaliação. Tal deve-se à sua função inerente ao fomento da liquidez, pois trata da colocação e escoamento do produto no mercado.
O mercado paga melhor a estes profissionais porque entende essa função como essencial, até acima das funções técnicas referidas (não se estranhe o desvalor face ao baixo nível de formação dos empresários nacionais que priorizam o empirismo ao conhecimento científico, tecnológico e económico).
A liquidez deve ser maximizada.
Existem mecanismos como a titularização e agora a emergência da tokenização. Com os seus atributos de registo institucional, a propriedade imobiliária pode ser atomizada para ínfimas unidades transacionáveis, atingindo todo o tipo de aforradores, e não apenas os grandes com maior poder negocial. As unidades representam partes de propriedade imobiliária dotadas de informação como a renda contratada e o prazo, ficando aí acessíveis na plataforma multiplicando muito a transparência, o que gera confiança. Pode ser através de instituições (Gomes, 2004) ou por plataformas blockchain. Sendo transacionáveis em bolsa, os títulos tenderão a ganhar valor de mercado pois trata-se de rendimento de longo prazo baseado em bens tangíveis e duráveis, informados em plataformas de confiança.
E o futuro?
O setor imobiliário tem a oportunidade de ouro de criar um negócio próspero e sustentável. Basta copiar para si os modelos de negócio que são hoje bem-sucedidos – Amazon, Google, etc. pelo fomento da interligação e liquidez, e a sabedoria ancestral da natureza. O foco pode ser a venda do uso pulverizada em plataformas na Internet (Gomes, 2018), assim como os direitos de posse através de títulos (ou tokens) que representam pequenas unidades transacionáveis, mas online.
Quanto maior for o número de transações entre unidades (fluxos) mais valor será criado, e tal irá minimizar a proliferação de bens inertes (construção devoluta pouco usada?), processo que ajuda a matar o planeta (Gomes, 2021).
Este modelo baseado na dinâmica de fluxos tem vantagens. Permite minimizar custos de produção (como a recuperação do IVA ou pela escala), de mais valias e transações. Competir em plataformas transnacionais torna mais difícil ao sistema governo-tributário abusar da sua autoridade a extorquir impostos injustos, a complicar e atrasar processos como licenciamentos.
Referência: Gomes, João Correia, 2004, An integrated process for housing investment and financing, Ph.D. thesis, University of Salford, United Kingdom
Lisboa, 27 de julho de 2021
João Correia Gomes
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