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Foto do escritorJoão Correia Gomes

MAXIMIZAR O VALOR IMOBILIÁRIO EXIGE ROTURA COM OS MODELOS CORRENTES

Atualizado: 7 de dez. de 2021


O meu último artigo descreve os ativos que têm servido para criar a efetiva riqueza. No mundo atual domina ainda o velho foco de extração e transformação básica da matéria prima sobretudo por esforço muscular e menos inteligência. As economias mais ricas não se distinguem pela eficácia e eficiência através do material, mas antes por fatores intangíveis (humanware), instituições e tecnologia, sobretudo em informação (software) mais difíceis de copiar.


O assunto é critico na resolução de problemas de consumo da Natureza e dos recursos limitados do planeta Terra, sejam inertes ou de biodiversidade. Manter os modelos produtivos do costume parece ser o caminho certo para o conflito geral da humanidade e depois até a sua própria extinção. Os sinais são muitos, mas graças à tecnologia que já existe, as oportunidades de reabilitação são ainda mais, embora requeiram o que é mais difícil, a própria humanidade mudar na atitude e modo de vida.


A agregação de setores do imobiliário, construção e infraestruturas é talvez aquela que mais responsabilidade tem no estado atual a que chegou a Humanidade. Foi o principal agente que induziu a expansão e a qualidade de vida da população humana com benefícios e tecnologias essenciais à civilização e ao seu progresso. São bons exemplos de sucesso humano o saneamento, as cidades (Wilson, 2021), as redes viárias e ferroviárias, as estruturas para a indústria e serviços, as plataformas físicas onde estão os humanos que vivem e transacionam bens e serviços. Tudo o resto é decorrente destes ambientes fornecidos por esses setores.


Todavia, esses setores são globalmente os maiores responsáveis pela destruição do planeta. A expansão das cidades pela ocupação dos espaços naturais está a destruir o ecossistema e a biodiversidade dos quais depende a vida humana. O setor produtivo ainda é pouco eficiente quando depende demasiado da matéria prima e fósseis extraídos ao subsolo para a energia e materiais que compõem os elementos e componentes de construção. É primitivo quando precisa de contaminar a atmosfera na produção de cimento ou de aço, ou o solo e a água nos processos de transformação industrial e de construção. É perigoso quando a única forma de crescer passa por extrair matéria prima, destruir solo fértil, apenas construir por construir para vender sem limites ou então demolir eliminando a energia potencial que está incutida em cada edifício ereto, mesmo que obsoleto na sua forma atual.



Na mesma linha do artigo anterior também o setor imobiliário terá de evoluir de um nível essencialmente material (hardware) para outro mais compatível com a Natureza do planeta, logo mais baseado na inteligência (humanware) e nos fluxos não materiais (software). O futuro do planeta com humanidade dependerá de modelos imobiliários distintos dos que são correntes, a copiar a própria inteligência da Natureza.


No imobiliário, a versão que foca mais o Hardware corresponde à versão mais primitiva do negócio que foca o edificado tangível, os materiais aplicados e visíveis, as áreas mensuráveis de construção. É um tipo de construção ainda muito baseado no empirismo da obra e, por atitude e falta de formação, despreza as funções racionais (técnicas) e criativas que tem mais como custo do que investimento (se puder cortar melhor). É o modelo de negócio que pode designar-se como do “tijolo e argamassa” com produtos muito tangíveis e simples; que oferecem baixo desempenho funcional; são fáceis de replicar por quem vê oportunidade de negócio fácil embora não possua a mínima formação técnica e comercial.


Este foi o mundo imobiliário dos construtores civis que focavam a produção na obra a edificar, no fazer com a arte (manual e muscular), mas não o saber. Tendiam a desprezar os conteúdos técnicos, sobretudo vistos como custos “obrigatórios” para ter o licenciamento, mas não como um investimento para otimizar os resultados do projeto de negócio (limitavam-se ao projeto até ser licenciado pelo município), numa abordagem de corte de custos (baixos salários, sem custos técnicos nem criativos).

Resultado: Empreendimentos de baixo desempenho, dependentes de um mercado frágil de procura pouco informada, desesperada por ter um abrigo para viver (sujeita-se a compra por falta de mercado de arrendamento) e do financiamento bancário, o único acessível.


Neste contexto de negócio, a avaliação de imóveis tendia a cingir-se ao método de custo, que contabilizava o total de custos de obra a partir de áreas medidas e materiais observados. Como o valor é determinado pela soma acumulada dos inputs materiais e de esforço humano, o processo não consegue defender-se com a mudança no ambiente socioeconómico, com a maior escassez de trabalhadores da arte (os bons emigram) e procurar soluções que usam a inteligência como a industrialização, modulação, pré-fabricação, virtualização.

Num mercado e contexto socioeconómico em mudança, em que os modelos de produção enfocam a execução do tangível no estaleiro, mas desprezam o trabalho racional, apenas pode sobressair o custo de obra no total do empreendimento, o qual tenderá a aumentar e a derrapar, mas sem controlo. Assim, neste modelo, apenas se conseguirá servir segmentos sociais mais abonados e a maioria população em geral será escravizada com dividas bancárias eternas (ou quase) num consumo eterno (incluindo a casa).



Nos últimos 70 anos, o imobiliário beneficiou imenso da plataforma “software” que trata dos processos racionais e institucionais que se transpõem em linguagem codificada (escrita, gráficos, números), enfim digitalizados por bits.

A expansão do setor beneficiou de um enorme impulso quando se publicou legislação relativa ao crédito hipotecário e a propriedade horizontal (em 1955). O setor muito tradicional cresceu. Permitiu a emergência de profissões inerentes às oportunidades geradas como a avaliação e a mediação. Todavia, como padrão, o setor produtivo não conseguiu largar os métodos antigos enquanto perdia a mão de obra especializada barata que antes existia. Não aproveitou as vantagens da tecnologia, da gestão (planeamento, controlo), marketing e outras inerentes a esta plataforma. Os processos de produção não evoluíram e descuraram-se todas as possibilidades técnicas ao seu alcance. Tornou-se um setor antiquado, ineficiente, logo com produto caro e de baixa qualidade que não valoriza a engenharia, a arquitetura ou a gestão.

O imobiliário nas economias que apostam no software tende a ser mais sofisticado e eficiente. A maior componente de valor não está na construção do objeto em si, mas nos processos que levam a essa edificação. Tem enorme importância a gestão do processo de empreendimento imobiliário que, por sua vez, desencadeia um entrelaçado de processos interrelacionados, dos quais se salienta a promoção imobiliária (Gomes, 2018). São essenciais para a criação de valor os estudos de mercado e marketing, o planeamento do negócio (business plan), a negociação e contratação com fornecedores (papel dos juristas), além da gestão de projeto, engenharia e arquitetura, com a preciosa contribuição de metodologias como o BIM e o IPD.



O imobiliário neste contexto de alto valor estará focado na venda de serviços e ambientes em espaço-tempo. A criação de valor concentra-se mais nos processos como a promoção imobiliária (Gomes, 2018). Para incrementar a produtividade, a produção física deverá ser muito mais mecanizada e modulada, operada por máquinas inteligentes em processos (virtuais e produção) a montante do estaleiro. Os processos terão suporte em processos de elevada tecnologia e metodologias digitais (modelos virtuais) como o BIM e conhecimento técnico como a engenharia e a arquitetura.


O grande salto de valor deve focar no último patamar, o humanware. Trata-se de um ativo intangível, até subjetivo, que integra valores intrinsecamente humanos. A ideia é transferir o conceito de produto material para consumo e desperdício irrecuperável para o uso inteligente, dependente de materiais recicláveis, nutrientes banais e radiação solar. Seria algo como copiar o corpo humano vivo e inteligente, um sistema aberto constituído por água e nutrientes abundantes.




Tal fim será impossível de alcançar apenas com matéria e força brutas às quais se atribui valor baixo, mas prejudica o ecossistema com custos enormes que não são contabilizados porque a Natureza e recursos da Terra são Bem Comum, logo acessíveis a práticas predatórias pelos mais espertos ou fortes. A abordagem terá de ser a oposta. Os produtos a desenvolver deverão ter alto valor, mas um custo (quase) nulo. Só assim será possível alimentar e confortar a população humana de mais de 7.500 milhões de seres. Em simultâneo, é preciso manter e reavivar a Natureza para esta não considerar os humanos com um vírus a eliminar, como queremos fazer ao Covid-19. Este objetivo só será possível com a compensação por atributos como a inteligência, o conhecimento, a criatividade, a perceção (de valor), a ética, a confiança, a arte e cultura, empatia, espírito de equipa, etc.


A produção dependerá menos de materiais com alto consumo de energia e de emissão de CO2 e poluentes, como são o cimento ou o aço. Terá de se reinventar. Surgirão oportunidades na biotecnologia e nanotecnologia, mas pode arrancar-se com a tradicional madeira e evoluir para fungos ou novos materiais a partir da manipulação genética.



Quanto a conceitos imobiliários terá de largar a construção tradicional para venda e evoluir para produtos de venda de uso de espaço-tempo ou de ambientes ajustados ao cliente. O objetivo é minimizar custos de produção, de contaminação do ecossistema e aplicar o princípio de energia mínima. Um exemplo passa pela reabilitação dos edifícios já existentes, aplicando materiais recicláveis de baixa energia, como a madeira ou o LSF. Além da preservação da energia intrínseca no edificado, esta solução é compatível com a exigência de cada unidade imóvel passar a ser um centro de produção de energia integrado numa rede local ou global.


Outra abordagem essencial é a geração de confiança para atração de capital de investimento – o recurso mais essencial de qualquer empreendimento. Para gerar confiança nos mercados de capitais, os processos de negócio terão de comunicar profissionalismo e competência, com aplicação de metodologias de comunicação e de gestão competitivas num mercado global muito sofisticado.


Para criar valor efetivo, numa ótica global, ser competitivo para a atração de capital e pessoas para viver no país, o processo imobiliário terá de sofrer uma revolução ao se desmaterializar, digitalizar, compatibilizar com o ecossistema. Ou seja, tornar-se mais biológico e inteligente focando mais os processos de criação de valor do que a produção com uso intensivo de matéria.


Lisboa, 1 de dezembro de 2021


João Correia Gomes (Ph.D., Mestre em construção, Engenheiro civil)


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