“The actual form and function – of twenty-first-century capitalism is an extractive circuit which quite literally crisscrosses the world”
Chaudhary (2021)
A humanidade debate-se num enorme dilema quanto ao seu futuro. Numa visão extrema, ocorre-lhe que encaminha para a extinção pela exaustão e a contaminação do ecossistema. Neste âmbito, Ajay Chaudhary (2021) escreveu há dias um artigo demolidor sobre o sistema social e capitalista em vigor ainda muito extrativo. No outro extremo, emerge a visão otimista que a tecnologia permitirá vencer tais obstáculos como ocorreu no passado, assim defende o filósofo futurista Gerd Leonhard (2021).
Estará a realidade do futuro algures entre estes extremos?
Converge a ideia que o atual modelo socioeconómico, ainda com uma base muito extrativa, já não se adequa para servir a enorme população humana que anseia um padrão de vida de consumo similar ao ocidental. Trata-se de um modelo concebido há mais de 200 anos, mas num contexto da Europa que se expandia para “infinitos” territórios coloniais e beneficiava de mão de obra escrava ou sobre-explorada (barata e sem direitos). Foi também o período de grande expansão tecnológica, desenvolvida pela engenharia e medicina, que permitiu ultrapassar os piores obstáculos da humanidade.
O sistema político-económico gerou benefícios como o Crescimento (lucro das empresas) e o Estado Social, mas não se consideravam as limitações do ecossistema do qual se servia. Explorava-se o mundo natural sem regras e sem custos para os produtores e consumidores. Tratava-se de uma externalidade sem ter de prestar contas a qualquer entidade, mesmo que abstrata, numa atitude anárquica do uso e destruição do Bem Comum da Natureza.
Algumas sociedades enriqueceram muito, as suas populações acomodaram-se ao torpor de consumo fácil e barato desde que não sentisse na pele, ou se passasse longe da sua região.
Entretanto, passaram a ser muitos a querer beneficiar do mesmo consumo. A população mundial cresce num ritmo incompatível com a escala do planeta em que vive. Almeja ser uma sociedade de consumo igual à americana, mas sem sacrifícios. Para alimentar o consumo, a economia instituída tem de crescer em contínuo (PIB), produzir sem limites, daí extrair e contaminar.
Parece já evidente a exaustão e contaminação do planeta. E não serão suficientes centenas de cimeiras do clima, como a COP26, com bonitas palavras de intenções, mas sem grandes resoluções que exigem o sacrifício geral. É provável que a redução na emissão de gases seja já insuficiente, a inércia do processo de destruição dificilmente será travada, mas retardado.
Algumas intervenções maquilhadas e superficiais serão insuficientes. A rotura será maior, implicará um modo muito alternativo de viver, consumir e produzir. O modelo socioeconómico terá de ser de facto sustentável para preservar o ecossistema. Com o atual não será possível, antes será a desgraça para os atuais jovens futuros adultos. E a maioria mais pobre do planeta morrerá de sede, fome, calor ou inundações. Deslocar-se-ão milhões desesperados para o Norte rico. Surgirão conflitos sangrentos entre nações.
Todo o sistema económico terá de mudar. Não serve a típica cadeia de valor, linear e simples que se inicia na extração (matéria-prima, fósseis e humanos), segue para a produção e distribuição muito poluidoras, para acabar no consumo do uso e deitar fora, gerando resíduos sem recuperação e contaminadores. O planeta não aguenta a escala que o processo atingiu.
Existe um modelo que pode ser copiado, aplicado por uma entidade muito mais inteligente que os humanos - a Natureza em que se integram. É um sistema baseado em ciclos contínuos que cria a partir da regeneração da matéria abundante, nutrientes do solo e mar mais energia solar “infinita” (Gomes, 2021). Daqui, é a Natureza que cria a vida e a inteligência (humana). O futuro modelo socioeconómico terá de enquadrar-se numa espécie de bioeconomia da qual se espera mais do que da economia circular.
O valor do corpo humano vivo (EVHL) supera milhares de vezes o custo dos seus materiais. Esta deve ser a meta para o produto na economia sustentável. E, daqui leva-nos à Teoria dos Sistemas colada às engenharias emergentes (genética, nano, informática e sistemas). Trata-se de um modelo não-linear muito além do que é corrente, linear e extrativo do ecossistema.
Avançamos todos num contexto de tecnologia que avança num ritmo exponencial, pois os próximos 10 anos mudarão mais do que os últimos 100 (Leonhard, 2021). O novo modelo terá de depender da ciência (ou do seu braço prático que é a engenharia). Nos últimos séculos, foi a inteligência expressa na tecnologia criada e aplicada pela engenharia e medicina que permitiu resolver os graves problemas da humanidade, desde a irradicação de doenças ou a produtividade pela mecanização.
A salvação humana dependerá da colaboração aberta e efetiva entre as especialidades mais diversas, não apenas os mesmos que dominam o poder real há 200 anos e que apenas repetem basicamente as mesmas fórmulas antigas, apenas com novas roupagens, por vezes apenas ilusórias.
Não será fácil mudar o modelo económico
O capitalismo democrático continuará a ser o sistema melhor sucedido, em comparação com as autocracias dependentes do único cérebro que se engana, pois prospera na multiplicidade de interações e fluidez dos processos. A sua vantagem está, portanto, na capacidade de adaptação e reinvenção a sucessivos novos contextos que operam na interação de todos os agentes do mercado, os milhares de milhões de produtores e consumidores que se avaliam e ajustam às necessidades de todos, que percecionam valor em formas criativas e inteligentes. Neste âmbito, o capitalismo dos imensos agentes imita a Natureza das infinitas bactérias e células que se regenera e criam valor pelos seus diversos fluxos.
É preciso perceber como se avalia a riqueza para se criar um mundo mais sustentável.
O conceito de riqueza não foi sempre igual ao longo da História. Nas primeiras sociedades humanas de tecnologia rudimentar a principal inquietação era a sobrevivência. O valor da riqueza estava na posse de terra agrícola e nos escravos para a trabalhar. Os excedentes agrícolas devidos à tecnologia permitiram criar cidades, efetivos polos de troca de informação, como o comércio, e centros de poder das elites no controlo das sociedades. Este ambiente criou contextos mais sofisticados com emergência da arte e da escrita que estimulavam mais conhecimento. O conceito de riqueza evoluiu para níveis imateriais devidos à interação social como é o status ou a posse de minerais raros (ouro) usados no comércio.
As transações estimularam a interação humana, exigiram instituições para a regulação e ordem, geraram confiança. As sociedades consolidavam-se em contínuos ciclos de rutura e de progresso, com processos cada vez mais complexos e sofisticados apoiados em tecnologia de informação mais eficaz. As competências e atitudes evoluíram para os novos contextos com base em atributos mais intangíveis dependentes de códigos (escrita, matemática) e em padrões de comportamento social, o que acelerou ainda mais a confiança mútua, criando conceitos de riqueza abstratos como o dinheiro atual.
A produção de bens e serviços ainda depende demasiado da matéria extraída das entranhas do pequeno planeta para servir cada vez mais milhares de milhões de humanos ávidos de consumo, mas que contaminam sem consciência. A economia atual aparenta ser sofisticada, mas na ótica do mundo natural que a sustenta é milhões de vezes mais predatória do que a prática dos primitivos caçadores-recolectores.
O modelo vigente é o cerne da destruição da humanidade que deveria servir. A expressão material do produto e a escala de produção terão de minguar. O planeta não recebe material do exterior, terá de preservar o existente. Será neste âmbito que surgirão grandes oportunidades para a biotecnologia, a engenharia genética e a nanotecnologia aplicadas a novos materiais a reciclar-se continuamente.
O mundo moderno beneficia de atributo que era raro no passado - a inteligência aplicada em processos e é expressa por tecnologia, produto singular da ciência e engenharia, tornado o principal acelerador da economia. A tecnologia é um facilitador dos fluxos que dinamizam o sistema económico que opera entre humanos, e entre estes e o mundo material. Não é por acaso que as economias que valorizam atividades CTEM tendem a ser as mais ricas.
Mas, o cume da criação de riqueza estará em atributos mais imateriais. O valor acrescentado provirá da inteligência, criatividade, ética, cooperação, empatia, consciência e sobretudo do comportamento humano (que prefere partilhar o uso do que a posse egoísta). A emergência da riqueza desmaterializada já se observa em produtos como as criptomoedas.
Nas poucas sociedades que atingiram altos níveis de segurança e conforto, os seus habitantes têm boa formação técnica e humana, e o padrão de riqueza tende a ser menos materialista. Prioriza-se a autossatisfação, relações pessoais, a felicidade e experiências de vida. A maioria dos restantes países é ainda extra predatória com relevância da China. Num futuro ideal, a riqueza pode elevar-se a um patamar sublime de cooperação interpessoal e partilha, contexto em que não será relevante possuir bens em exclusivo, mas antes preservar os ambientes que todos possam usufruir, experienciar a vida, usar os bens partilhados.
A criação de riqueza de uma sociedade, ou do valor num negócio, depende essencialmente da combinação de três plataformas em maior ou menor proporção - “Hardware”, “Software”, “Humanware” (Gomes, 2004) – a desenvolver no próximo artigo.
Referência:
· Gomes, J. Correia, 2004, “An Integrated Process for Housing Investment and Financing – An Application in the Portuguese Context”, Ph.D. Thesis, University of Salford, UK.
Lisboa, 8 de novembro de 2021
João Correia Gomes (Ph.D., Mestre em construção, Engenheiro civil)
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Obrigado Joaquim
Excelente artigo que antecipa muitos dos problemas que iremos enfrentar nos próximos anos. Falta esta consciência em muitos dos lideres e decisores que podem a preparar a sociedade para estas mudanças. Desde a guerra fria que não se sentia tanta tensão entre países e sentimentos de possíveis confrontos militares. O capital fala mais alto, mas é também o capital que alimenta as guerras em proveito próprio. São necessárias mudanças com brevidade.