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Foto do escritorJoão Correia Gomes

O CONTEXTO GLOBAL QUE TERÁ DE MUDAR, SENÃO…

Atualizado: 21 de nov. de 2021


The actual form and function – of twenty-first-century capitalism is an extractive circuit which quite literally crisscrosses the world

Chaudhary (2021)


A humanidade debate-se num enorme dilema quanto ao seu futuro. Numa visão extrema, ocorre-lhe que encaminha para a extinção pela exaustão e a contaminação do ecossistema. Neste âmbito, Ajay Chaudhary (2021) escreveu há dias um artigo demolidor sobre o sistema social e capitalista em vigor ainda muito extrativo. No outro extremo, emerge a visão otimista que a tecnologia permitirá vencer tais obstáculos como ocorreu no passado, assim defende o filósofo futurista Gerd Leonhard (2021).


Estará a realidade do futuro algures entre estes extremos?


Converge a ideia que o atual modelo socioeconómico, ainda com uma base muito extrativa, já não se adequa para servir a enorme população humana que anseia um padrão de vida de consumo similar ao ocidental. Trata-se de um modelo concebido há mais de 200 anos, mas num contexto da Europa que se expandia para “infinitos” territórios coloniais e beneficiava de mão de obra escrava ou sobre-explorada (barata e sem direitos). Foi também o período de grande expansão tecnológica, desenvolvida pela engenharia e medicina, que permitiu ultrapassar os piores obstáculos da humanidade.


O sistema político-económico gerou benefícios como o Crescimento (lucro das empresas) e o Estado Social, mas não se consideravam as limitações do ecossistema do qual se servia. Explorava-se o mundo natural sem regras e sem custos para os produtores e consumidores. Tratava-se de uma externalidade sem ter de prestar contas a qualquer entidade, mesmo que abstrata, numa atitude anárquica do uso e destruição do Bem Comum da Natureza.



Algumas sociedades enriqueceram muito, as suas populações acomodaram-se ao torpor de consumo fácil e barato desde que não sentisse na pele, ou se passasse longe da sua região.

Entretanto, passaram a ser muitos a querer beneficiar do mesmo consumo. A população mundial cresce num ritmo incompatível com a escala do planeta em que vive. Almeja ser uma sociedade de consumo igual à americana, mas sem sacrifícios. Para alimentar o consumo, a economia instituída tem de crescer em contínuo (PIB), produzir sem limites, daí extrair e contaminar.


Parece já evidente a exaustão e contaminação do planeta. E não serão suficientes centenas de cimeiras do clima, como a COP26, com bonitas palavras de intenções, mas sem grandes resoluções que exigem o sacrifício geral. É provável que a redução na emissão de gases seja já insuficiente, a inércia do processo de destruição dificilmente será travada, mas retardado.

Algumas intervenções maquilhadas e superficiais serão insuficientes. A rotura será maior, implicará um modo muito alternativo de viver, consumir e produzir. O modelo socioeconómico terá de ser de facto sustentável para preservar o ecossistema. Com o atual não será possível, antes será a desgraça para os atuais jovens futuros adultos. E a maioria mais pobre do planeta morrerá de sede, fome, calor ou inundações. Deslocar-se-ão milhões desesperados para o Norte rico. Surgirão conflitos sangrentos entre nações.

Todo o sistema económico terá de mudar. Não serve a típica cadeia de valor, linear e simples que se inicia na extração (matéria-prima, fósseis e humanos), segue para a produção e distribuição muito poluidoras, para acabar no consumo do uso e deitar fora, gerando resíduos sem recuperação e contaminadores. O planeta não aguenta a escala que o processo atingiu.

Existe um modelo que pode ser copiado, aplicado por uma entidade muito mais inteligente que os humanos - a Natureza em que se integram. É um sistema baseado em ciclos contínuos que cria a partir da regeneração da matéria abundante, nutrientes do solo e mar mais energia solar “infinita” (Gomes, 2021). Daqui, é a Natureza que cria a vida e a inteligência (humana). O futuro modelo socioeconómico terá de enquadrar-se numa espécie de bioeconomia da qual se espera mais do que da economia circular.


O valor do corpo humano vivo (EVHL) supera milhares de vezes o custo dos seus materiais. Esta deve ser a meta para o produto na economia sustentável. E, daqui leva-nos à Teoria dos Sistemas colada às engenharias emergentes (genética, nano, informática e sistemas). Trata-se de um modelo não-linear muito além do que é corrente, linear e extrativo do ecossistema.


Avançamos todos num contexto de tecnologia que avança num ritmo exponencial, pois os próximos 10 anos mudarão mais do que os últimos 100 (Leonhard, 2021). O novo modelo terá de depender da ciência (ou do seu braço prático que é a engenharia). Nos últimos séculos, foi a inteligência expressa na tecnologia criada e aplicada pela engenharia e medicina que permitiu resolver os graves problemas da humanidade, desde a irradicação de doenças ou a produtividade pela mecanização.


A salvação humana dependerá da colaboração aberta e efetiva entre as especialidades mais diversas, não apenas os mesmos que dominam o poder real há 200 anos e que apenas repetem basicamente as mesmas fórmulas antigas, apenas com novas roupagens, por vezes apenas ilusórias.


Não será fácil mudar o modelo económico


O capitalismo democrático continuará a ser o sistema melhor sucedido, em comparação com as autocracias dependentes do único cérebro que se engana, pois prospera na multiplicidade de interações e fluidez dos processos. A sua vantagem está, portanto, na capacidade de adaptação e reinvenção a sucessivos novos contextos que operam na interação de todos os agentes do mercado, os milhares de milhões de produtores e consumidores que se avaliam e ajustam às necessidades de todos, que percecionam valor em formas criativas e inteligentes. Neste âmbito, o capitalismo dos imensos agentes imita a Natureza das infinitas bactérias e células que se regenera e criam valor pelos seus diversos fluxos.


É preciso perceber como se avalia a riqueza para se criar um mundo mais sustentável.

O conceito de riqueza não foi sempre igual ao longo da História. Nas primeiras sociedades humanas de tecnologia rudimentar a principal inquietação era a sobrevivência. O valor da riqueza estava na posse de terra agrícola e nos escravos para a trabalhar. Os excedentes agrícolas devidos à tecnologia permitiram criar cidades, efetivos polos de troca de informação, como o comércio, e centros de poder das elites no controlo das sociedades. Este ambiente criou contextos mais sofisticados com emergência da arte e da escrita que estimulavam mais conhecimento. O conceito de riqueza evoluiu para níveis imateriais devidos à interação social como é o status ou a posse de minerais raros (ouro) usados no comércio.


As transações estimularam a interação humana, exigiram instituições para a regulação e ordem, geraram confiança. As sociedades consolidavam-se em contínuos ciclos de rutura e de progresso, com processos cada vez mais complexos e sofisticados apoiados em tecnologia de informação mais eficaz. As competências e atitudes evoluíram para os novos contextos com base em atributos mais intangíveis dependentes de códigos (escrita, matemática) e em padrões de comportamento social, o que acelerou ainda mais a confiança mútua, criando conceitos de riqueza abstratos como o dinheiro atual.

A produção de bens e serviços ainda depende demasiado da matéria extraída das entranhas do pequeno planeta para servir cada vez mais milhares de milhões de humanos ávidos de consumo, mas que contaminam sem consciência. A economia atual aparenta ser sofisticada, mas na ótica do mundo natural que a sustenta é milhões de vezes mais predatória do que a prática dos primitivos caçadores-recolectores.


O modelo vigente é o cerne da destruição da humanidade que deveria servir. A expressão material do produto e a escala de produção terão de minguar. O planeta não recebe material do exterior, terá de preservar o existente. Será neste âmbito que surgirão grandes oportunidades para a biotecnologia, a engenharia genética e a nanotecnologia aplicadas a novos materiais a reciclar-se continuamente.



O mundo moderno beneficia de atributo que era raro no passado - a inteligência aplicada em processos e é expressa por tecnologia, produto singular da ciência e engenharia, tornado o principal acelerador da economia. A tecnologia é um facilitador dos fluxos que dinamizam o sistema económico que opera entre humanos, e entre estes e o mundo material. Não é por acaso que as economias que valorizam atividades CTEM tendem a ser as mais ricas.


Mas, o cume da criação de riqueza estará em atributos mais imateriais. O valor acrescentado provirá da inteligência, criatividade, ética, cooperação, empatia, consciência e sobretudo do comportamento humano (que prefere partilhar o uso do que a posse egoísta). A emergência da riqueza desmaterializada já se observa em produtos como as criptomoedas.


Nas poucas sociedades que atingiram altos níveis de segurança e conforto, os seus habitantes têm boa formação técnica e humana, e o padrão de riqueza tende a ser menos materialista. Prioriza-se a autossatisfação, relações pessoais, a felicidade e experiências de vida. A maioria dos restantes países é ainda extra predatória com relevância da China. Num futuro ideal, a riqueza pode elevar-se a um patamar sublime de cooperação interpessoal e partilha, contexto em que não será relevante possuir bens em exclusivo, mas antes preservar os ambientes que todos possam usufruir, experienciar a vida, usar os bens partilhados.


A criação de riqueza de uma sociedade, ou do valor num negócio, depende essencialmente da combinação de três plataformas em maior ou menor proporção - “Hardware”, “Software”, “Humanware” (Gomes, 2004) – a desenvolver no próximo artigo.


Referência:


· Gomes, J. Correia, 2004, “An Integrated Process for Housing Investment and Financing – An Application in the Portuguese Context”, Ph.D. Thesis, University of Salford, UK.


Lisboa, 8 de novembro de 2021


João Correia Gomes (Ph.D., Mestre em construção, Engenheiro civil)


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2 Comments


João Alexandre Gomes
João Alexandre Gomes
Nov 09, 2021

Obrigado Joaquim

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Joaquim Nogueira de Almeida
Joaquim Nogueira de Almeida
Nov 08, 2021

Excelente artigo que antecipa muitos dos problemas que iremos enfrentar nos próximos anos. Falta esta consciência em muitos dos lideres e decisores que podem a preparar a sociedade para estas mudanças. Desde a guerra fria que não se sentia tanta tensão entre países e sentimentos de possíveis confrontos militares. O capital fala mais alto, mas é também o capital que alimenta as guerras em proveito próprio. São necessárias mudanças com brevidade.

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