Parece incrível, mas o progresso humano deve muito ao imobiliário! Não ao que é um óbvio objeto tangível, apenas expresso por edificado, mas o que é instrumento de adaptação da natureza para obter ambientes adequados às necessidades humanas e sua condição física. O objeto imobiliário deve ser mais do que espaço fixo numa parcela da superfície do planeta com um certo volume ou área delimitado por materiais. Os materiais e os processos de construção revelam-se mais como um meio e não como fim. O fim é a provisão de ambientes úteis e apreciados quanto a segurança, conforto, saúde, comunicação e a interação humana.
Hoje em dia, são as empresas de tecnologias de informação as estrelas que protagonizam o mercado de capitais. São, por exemplo, empresas unicórnio cujos valores de mercado em bolsa revelam-se estratosféricos em relação aos valores intrínsecos estimados a partir dos cash-flows que são efetivamente gerados (Bock & Hackober, 2020). Num futuro próximo serão as biotecnológicas. Porém, na base de toda a atividade humana, mesmo aquela com efeitos mais intangíveis, encontra-se sempre um imóvel. Para onde se olhe ou se esteja, em casa, no escritório, na rua, em parques, estradas ou até florestas, os humanos envolvem-se em estruturas imobiliárias.
Entender o imóvel apenas pela sua existência física é suficiente?
Não. Os atributos físicos são essenciais, mas não suficientes. O edificado, isolado na sua condição física, não pode ser considerado como um ativo. Mais, pode nem ter valor percebido quanto mais de mercado. E um ativo deve poder converter-se em dinheiro. Assim, o objeto imobiliário tem de captar interesse do capital para investimento e criar valor.
A humanidade constrói há milhares de anos. Todavia, os patrimónios edificados não eram propriamente ativos de mercado. Para a maioria eram soluções de abrigo e proteção. Para a elite eram expressões de poder, defesa ou distinção de classe. Para as civilizações servia para satisfazer funcionalidades como as estradas do império romano.
Para tal, o objeto imobiliário requer outro tipo de atributos. Trata-se de atributos institucionais que integram o direito, o conceito de propriedade ou o registo confiável. Estes tornaram-se a base da civilização moderna (Figueiredo, 2016). O edificado em épocas prévias aos atributos institucionais não fazia mercado. O seu interesse era apenas circunstancial na comunidade local ou sujeito a ditames dos poderosos. Na realidade, sem valor jurídico, não passaria de um amontoado ordenado de pedra, cerâmica e madeira, sendo a posse sujeita à ocupação, de facto, pelo utilizador ou à “lei do mais forte”.
Esta é a principal justificação de Hernando de Soto (2001) para distinguir o sucesso dos países ocidentais dos restantes. Esta dimensão institucional projetou, de facto, o objeto imobiliário para além dos limites da estrutura local informal. Com a assunção de figura jurídica de propriedade, registada em entidade de nível institucional (como a Conservatória do Registo Predial), cresceu a confiança para transacionar bens imóveis num território mais vasto do que a aldeia, já numa dimensão nacional, até internacional, por todos os indivíduos (já com direitos de cidadão) e não apenas aqueles com poder para possuírem terra, como a nobreza e o clero.
O atributo induz confiança ao mercado, sendo um conceito de alto valor, mas intangível.
Outros atributos jurídico-legais se seguiram, como os devidos à propriedade horizontal e ao crédito hipotecário. Estes atributos combinados levaram à expansão do setor que adquiria terra para urbanizar, construir e vender à enorme população que carecia de habitação, mas apenas poderia pagar rendas com os seus salários. Torna-se num produto que, para os agentes do mercado, seria de curto-médio prazo quando transacionavam terrenos em fase de especulação ou constriam em lotes de terreno para escoar rápido na venda do edificado, recuperar o capital e pagar ao banco. A banca logo percebeu o enorme potencial nesta brecha do setor produtivo e captou os ganhos inerentes ao longo prazo. O imobiliário é sempre um negócio de longo prazo. O mercado que precisava de habitação (e para outros usos) trocou as habituais rendas por serviço da divida em crédito hipotecário.
Com o aumento de transações de bens imobiliários e de hipotecas, germinou um mercado que expressava valores de transação e crescia em volume e novas exigências profissionais. Só esta expansão justificou a emergência de novo tipo de profissionais, como mediadores imobiliários (na aldeia todos se conheciam) ou avaliadores (minimização do custo de informação assimétrica entre pessoas distintas). O modelo prosperou, cresceu e rebentou.
Entretanto, a dívida publica e privada dos vários países cresceu para níveis tão elevados colocando em causa o próprio desenvolvimento económico, pois os fundos disponíveis se destinam ao pagamento dos serviços de divida e não para o investimento que criaria valor.
Portugal tornou-se um dos maiores devedores mundiais, sem folga interna de capitais. Requer um modelo de captação de capital que beneficie da confiança de potenciais investidores. Para piorar, o país vive uma das piores estruturas demográficas (EU, 2021) o que desequilibrará o modelo de aforro e a estrutura de fundos de pensões. Se o atual modelo de captação de capital de investimento não parece ajustado às necessidades terá de procurar modelos alternativos.
Mas, o mercado imobiliário geral apenas pode depender de construção para venda?
Não. Interessa o princípio de proteção de direitos de posse em propriedades imobiliárias. Sem uma indústria moderna orientada para o alto valor acrescentado, o imobiliário deverá ser ainda um dos principais motores de desenvolvimento útil do país no médio prazo. Mas, este processo de negócio ainda corrente não gera os ativos competitivos para a procura pelo poderoso mercado de capitais internacional. O imobiliário de venda ficará cada vez mais limitado a segmentos de mercado de classe média-alta (limitado) ou de estrangeiros.
A estrutura social está a mudar e pede outras soluções sobretudo baseadas no rendimento (Bialik & Fry, 2019). O valor de longo prazo que tem sido captado pela banca pode ser transferido para investidores mais pacientes, fora de produtos que não morrem numa venda (única). Deve firmar-se mais na contínua transação de serviços de alto valor acrescentado aí produzidos no longo prazo com efeitos multiplicativos não lineares (ou seja, que podem ser muito superiores aos obtidos por modelos correntes). O controlo de posse na longa vida útil de exploração de ativos de rendimento permite criar valor por tais serviços aos utilizadores.
O registo de direitos permite transformar os direitos de posse em títulos, sendo estes com valor unitário diminuto, abrangendo muito mais interessados tanto em capacidade de capital como dispersão geográfica. Apenas o elevado volume de capital permite ganhar escala que beneficia a promoção, contratar as melhores equipas e profissionais, ter poder negocial ou processos mais eficientes.
A ótica sobre produto imobiliário deve ultrapassar o nível de objeto edificado para venda para integrar serviços de uso de ambientes ajustados às necessidades do mercado focando a geração de cash-flows. O ativo imobiliário que é transacionado passa a ser o título de uma unidade parcelar que representa o direito de posse e rendimento de uma carteira de imóveis, as plataformas onde decorrem esses serviços.
A titularização do imobiliário está a ser um movimento imparável que captar o capital de grandes investidores institucionais (Breidenbach, 2003). Os fundos de pensões representam já 43,2 milhões de milhões de euros (Global Pension Assets Study 2021) sobretudo nos países mais ricos do mundo. O atraso neste movimento apenas retardará o próprio progresso comparativo de cada país.
E, sem capital para investimento não há progresso.
Mas, será possível implementar tal modelo de negócio?
Sim, mas requer mudança da cultura da sociedade. Num país em que os agentes públicos e privados são muito conservadores, a mudança parece refletir-se em deixar estar tudo como acontece há 40 anos.
Pelas instituições públicas, a burocracia dos municípios que continuam desligadas da realidade do mercado ou com um sistema judicial lento e pouco eficiente, não se contribui para a confiança requerida.
Os empresários portugueses fazem-se depender da ajuda estatal ou do crédito bancário, mas não têm uma visão para se financiarem no mercado de capitais, o que ajudaria.
Muitos promotores imobiliários ainda têm a visão primitiva dos seus projetos dependerem sobretudo da construção tradicional, sem a visão para valorizar o conhecimento técnico ou o planeamento, a explorar processos produtivos inovadores e mais eficientes.
A formação da maioria dos agentes na cadeia de valor é reduzida (uma exceção talvez seja a mediação imobiliária), e tal deficiência conduz ao desperdício de recursos e à atitude conservadora desconfiada de processos diferenciados.
Apenas na projeção do objeto imobiliário como ativo a transacionar no mercado de capitais, a competir com outros veículos como os títulos não imobiliários (ações), o ouro ou bitcoins (estes últimos nem sequer produzem valor de uso) o mercado poderá progredir. A economia portuguesa depende do imobiliário quando pode fixar os portugueses competentes e atrair estrangeiros para viver (e consumir) no território.
Na forma de títulos o mercado imobiliário poderá expandir muito além do que aconteceu no passado, ultrapassar fronteiras num mercado mundial cada vez mais dominado por intangíveis. Procurados por investidores institucionais com uma ótica mais paciente, é possível que mude a atitude do mercado para um espirito mais consciente e uma ética social (Karabel, 2021 ou Rifkin, 2019).
Esta tema é desenvolvido no livro “Uma nova visão sobre o imobiliário – Plataforma para a Criação de Riqueza no século XXI”.
Lisboa, 1 de junho de 2021
João Correia Gomes
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