Um dos últimos artigos justifica o imprescindível papel das instituições para o desempenho das sociedades e economias. Embora o que se entende por instituições é muito extenso, em âmbitos tão diversos como a sociedade civil, igreja ou sistema financeiro, sublinha-se aqui o papel crucial dos organismos públicos, o Estado, quanto ao governo, à produção legislativa, à estrutura educativa, a autoridade, a justiça.
Segundo Douglass North (1990), as instituições influenciam a economia e o seu desempenho, dividindo-se em fatores informais, formais e na autoridade. O fator informal tem-se configurado como o mais eficaz e eficiente (menores custos, melhores resultados) se realmente o objetivo é prosperar e criar valor para a sociedade.
Tem-se provado que uma população esclarecida, bem-educada, culta, forte em ética, civismo, literacia financeira, aptidões sociais (como a empatia e solidariedade), em ciência e técnica, como em matemática, como um todo tende a prosperar mais. Tal deve à base cultural disseminada em cumprir para a ordem e dever com os outros, em perceber o risco para investir, logo empreender.
A aposta neste fator permite economizar, porque mitiga os outros fatores institucionais, mas é processo muito demorado para obter resultados (mais do que uma geração) e torna o povo crítico e exigente.
No outro extremo temos a sociedade que aposta na autoridade. Neste caso, a população em geral é menosprezada (enfim, um estorvo), mas serve para ser explorada (ou serve até carne para canhão em guerras de interesses privados). O território serve para a extração, mas a favor de poucos, as oligarquias ou as pequenas elites (políticas, religiosas). Infelizmente, nesta versão abundam os países do mundo, os que têm baixo PIB per capita, como se sabe.
A atividade imobiliária não está fora de todo um enquadramento institucional, até porque sempre esteve intimamente ligada ao que se entende como civilização, a própria sociedade. Esta não teria condições de existir e de processar sem a adaptação da Natureza, as infraestruturas, o edificado, as cidades. Sem imobiliário estaríamos ainda na caverna num primitivo estado evolutivo.
O imobiliário emerge da interrelação dos sistemas que envolvem os humanos, tema estudado por Graaskamp (1981), salientando a dependência do sistema político. O que relaciona com as instituições.
O setor imobiliário, para ser próspero e útil para a sociedade, é obviamente dependente do enquadramento institucional. A atual situação portuguesa requer soluções urgentes. Não pode esperar por uma população esclarecida e com a melhor atitude, que melhoraria a economia, mas é um processo muito demorado e ainda não começou a sério no ensino básico, diferente de outras economias.
Também não é ideal a política que se apoia na autoridade, tipo Estado Novo ou algum regime comunista, porque estas tendem a beneficiar com habitação os grupos que suportam o poder, como as classes de funcionários públicos ou quem é do partido.
A essencial função do Estado moderno, institucional, deve focar a proteção e o estímulo dos agentes da sociedade e economia. No curto a médio prazo resta abordar o enquadramento disponível, através dos fatores formais, como a legislação.
Os estímulos não precisam de ser onerosos para os orçamentos públicos, porque não precisa de haver investimento publico direto. Quase sempre esta abordagem direta resulta em projetos adiados, derrapados, onerosos e ineficientes. Está provado que os agentes do mercado atuam muito melhor, com maior eficácia e eficiência, na defesa dos seus próprios interesses, mas precisam de alguma estratégia, orientação, proteção e estabilidade (para terem confiança) e estímulo.
Apresenta-se a seguir algumas ideias para melhorar o enquadramento institucional do imobiliário português, uma sociedade de mercado, pelo menos de jure, aberta a todo o mercado global, mas carente de capital de investimento (interno e externo), de empreendedorismo e inovação (muito tradicional e neofóbica), o que não ajuda.
Para ser possível satisfazer a sociedade portuguesa com habitação acessível não existe outra solução do que promover empreendimentos imobiliários em grande escala, com abordagens de industrialização e modulares, digitalizadas e com gestão de projeto, onde impere inovação.
Esta meta não é compatível com a legislação básica, espelhada no obsoleto Regulamento Geral de Edificações Urbanas, datado de 1951, apenas com alterações (cosméticas) em 2024. Trata-se de um regulamento elaborado numa base prescritiva, logo já ultrapassada, que impõe as soluções construtivas, quase sempre ultrapassadas quanto ao fazer (como o artigo 25º), que as alterações recentes tentam remediar, mas não resolvem.
Os agentes do mercado e as autoridades licenciadoras carecem de um regulamento claro e objetivo que os ajude e suporte nas suas decisões. Por exemplo, deve focar nas exigências funcionais e no desempenho, mas sem especificar soluções construtivas que, em breve, seriam superadas pela inovação num mercado que se quer dinâmico. Uma legislação clara, objetiva, aberta a todas as soluções diferenciadas, apenas baseadas no desempenho deve facilitar a função dos técnicos dos departamentos urbanisticos municipais, acelerando as suas decisões, o que não acontece.
O edificado a projetar e construir apenas tem de cumprir requisitos de desempenho, podendo aplicar qualquer tipo de material – betão, cerâmico, madeira, lixo, palha, contentores, outros. Existem já diretivas europeias para as diversas soluções que apenas precisam de ser adaptadas ao português.
Por outro lado, deve enquadrar diretivas para a produção industrializada, modular, com enfase para processos mais digitalizados, mecanizados e automatizados que dispensam mão de obra especializada, tradicional que o mercado não tem. A produção foca-se mais em processos (gestão de processos, gestão de projeto, engenharia de valor) do que na experiência empírica do trabalho manual artístico (do pedreiro ou estucador). É ver o processo de construir mais numa versão IKEA do que no tipo “pato-bravo” quase extinta na última crise (2010-2015).
Outra abordagem essencial, sobretudo quanto a objetivos de desenvolvimento sustentável, passaria pela relevância da reabilitação, mas a verdadeira, e não a usual nas grandes cidades, também conhecida por “fachadismo”.
Note-se que um edifício antigo mantém no seu conjunto uma energia interna própria que deve ser preservada, pois a sua demolição representa desperdício de material e energia. Para otimizar o investimento de reabilitação terão de aplicar-se soluções economicamente mais acessíveis, embora compatíveis com os requisitos de desempenho atuais.
A abordagem de reabilitação deveria manter os princípios construtivos originais, quase sempre elementos verticais de elevada resistência vertical e esforço transverso, com elementos horizontais mais leves (como pavimentos de madeira).
Na ótica económica não é ótimo substituir o conteúdo interior do edifício antigo por construção nova, mantendo a fachada que teria de ser suportada pela estrutura nova, a qual tem de ser reforçada, tornando tudo mais caro do que construir novo. É um paradoxo.
Mais, a reabilitação efetiva e otimizada deve ainda dispensar a exigência de construção de caves para estacionamento automóvel nos edifícios antigos de alvenaria nos centros das grandes cidades.
Os centros das cidades não devem atrair automóveis, mas meios de transporte menos poluentes. Cabe aos municípios encontrar soluções de estacionamento publico na forma de silos a edificar na envolvente dos bairros, embora não propriamente junto a cada habitação. É preciso estimular a locomoção pedonal ou a bicicleta.
Se é assim nas grandes cidades europeias e americanas porque não o é em Lisboa e Porto?
A legislação deveria flexibilizar quanto a esta exigência técnica de alguns municípios muito condicionados pelos respetivos Planos Diretores Municipais e outros instrumentos locais de ordenamento urbanístico.
Outro tema com elevada importância para o setor imobiliário é o capital de investimento que se carece em grande volume e que seja paciente (longo prazo). O projeto imobiliário não pode depender quase apenas do crédito bancário, embora esta fonte de capital seja fundamental.
É preciso atrair o mercado de capitais (equity), o aforro e investimento, nacional e externo. Para este efeito, é preciso tornar o ativo imobiliário competitivo perante outras alternativas, sobretudo no que se refere a investimentos de longo prazo a competir com os depósitos a prazo (tão fácil) ou certificados de aforro, já que ainda não existe cultura nacional de aplicação de capital em fundos de investimento. É preciso ultrapassar esse obstáculo.
Como demonstrado nas economias mais prósperas, um atrativo veículo de investimento passa pela titularização de ativos imobiliários a servirem como plataformas de opções de rendimento. Refere-se à venda de grande volume de títulos com direitos de posse e rendimento partilhados permitindo um preço acessível por unidade e transação simples no mercado de valores. É o caso dos REIT (em Portugal denominados SIGI). Este veículo de investimento é capaz de atrair enormes volumes de capital, sobretudo do tipo paciente (fundos de pensões, seguros) ao focar nos direitos de posse e rendimento para os seus participantes.
Esta via de captação de capital conduz a larga escala e pode beneficiar de um ENORME efeito multiplicativo quando essas propriedades são exploradas na forma de concessão a longo prazo com operadores de negócios compatíveis, em clara separação de atividades económicas com especialização distinta, conforme tese de Gomes (2004).
Para uma economia próspera deveria existir um balanço equilibrado no mercado, entre posse e rendimento. É essencial um maior peso do arrendamento ou a venda de serviços de uso de espaço-tempo como o co-living.
No passado era corrente as famílias investirem na compra de imóveis para arrendamento como ativo de segurança no futuro. Apenas soluções de rendimento permitem gerar fluxos de caixa dinâmicos que criam riqueza no longo prazo pela produção e venda de serviços de valor acrescentado combinados – uma espécie de cross-selling- criador de inovação e empregos (Gomes, 2018).
O imobiliário residencial português perde enorme fatia de valor que seria criado na exploração dos imóveis, o que se refletiria no PIB e no aforro. As soluções de rendimento tendem a induzir para empreendimentos de grande escala, o que facilitaria produzir com mitigação de custos, o que não acontece quando a produção fica limitada a uma multidão de pequenos promotores/construtores que não conseguem ter poder negocial, nem capacidades de gestão e de produção eficaz, além de serem descapitalizados sendo obrigados a produzir para venda. Salvo algumas (poucas) exceções, todo o modelo de produção de imobiliário português é ineficiente, logo caro, apenas pode produzir para quem pode pagar.
O estímulo para a produção de imobiliário de rendimento passa pela via fiscal, nomeadamente por taxas de IVA mais reduzidas, imposto que poderia ser recuperado por crédito de IVA durante a exploração, mais pela venda de serviços residenciais do que o arrendamento. Para salvaguardar eventual caso de promotores ou investidores espertos que beneficiariam pela futura venda de imóveis antes destinados a rendimento beneficiados por baixas taxas de IVA, tais benefícios fiscais poderiam ficar condicionados pela restrição de autorização e registo de propriedade horizontal. Se os prédios foram beneficiados têm de manter-se em propriedade vertical, logo só podem servir para rendimento.
Todavia, este tipo de estímulos requer VONTADE por parte dos órgãos políticos, já que não requerem grande dispêndio de capital publico. A redução da taxa de imposto, como o IVA que possa ser recuperado na fase de exploração do serviço residencial (diferente de arrendamento), melhora a eficiência do investimento, incrementa a produção económica, logo tenderá a compensar os resultados fiscais.
Apenas se exige revisão e modernização da legislação existente, além de um pacto de regime entre os principais partidos de poder para a estabilidade legislativa e fiscal numa estratégia de desenvolvimento económico.
Uma sociedade de mercado que usufrua do apropriado ambiente institucional que gere confiança e estabilidade aos agentes que nela atuam em livre escolha só pode esperar CRESCIMENTO.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2024
João Correia Gomes (Ph.D., REV, Mestre em construção, Engenheiro civil)
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