As armas e os barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando
Cantando espalharei por toda a parte
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Luís de Camões, Os Lusíadas (1572) Canto I, 1--2
Seria Camões Engenheiro?
Estou convencido que sim. Nem que seja na atitude e formatação de pensamento.
Não só faz apelo inúmeras vezes ao Engenho nos seus poemas, como a métrica dos seus poemas tem muito de modelação matemática e necessariamente de experimentação. Igualmente o seu conhecimento científico e literário mostra, segundo a análise de alguns historiadores, que terá feito estudos superiores, que na época só seriam possíveis na Universidade de Coimbra. Uma das mais antigas do mundo, criada em 1290 com as faculdades de Artes, Direito Canonico, Direito Civil e Medicina. Presume-se que por "Artes" entender-se-á também Engenho ("As Artes do oficio", "As obras de Arte",etc)
Será que o engenho faz parte da condição humana?
Partilho dessa ideia mas a visão necessariamente deformada de um engenheiro em que vê em tudo uma aplicação da Engenharia, pode levar a ver o mundo de uma forma demasiada "Engenheiral". Quando prego um prego, penso logo na forma de aplicar a força no martelo, o angulo de impacto, na resistência do material de suporte, etc, e este é um exemplo entre tantos, aonde constantemente pomos em acção todo o nosso Engenho. Igualmente verdade é que muitos engenheiros são poetas e musicos, já que a métrica dos poemas, os algoritmos da composição das músicas, as regras da modulação artística, têm muito de matemática e experimentação (Engenho), permitindo misturar a criatividade com modelação e ritmo de base numérica.
Enfim, procuro motivos para enaltecer o Engenho e a Arte dos que como eu escolheram como formação e profissão a engenharia, mais uma vez uma deformação do pensamento de quem o tem formatado em encontrar soluções para o avanço técnico e dos problemas que aparecem nesse caminho. Tal como Camões nos Lusíadas enaltece as “armas e os barões”, enalteço aqui a Engenharia Portuguesa na sua conquista por esses "Mares nunca antes navegados", ou traduzindo em termos mais actuais, por esses "Mercados ainda não conquistados".
Não posso deixar de refiro aqui que a prosa seguinte, tem uma aproximação muito grande à Engenharia Civil, que além de ser a mãe de maior parte das engenharias (em opção à engenharia militar) é sem dúvida neste momento uma especialidade com grandes problemas de internacionalização, pelo facto do grande número existente de engenheiros desta especialidade bem como pelo facto de quase ser uma das únicas engenharias que é obrigada a “exportar” a massa cinzenta em contrapartida da exportação de “produtos”, situação que as outras engenharias podem fazer. As obras não se podem exportar, elas têm de ser efectuadas nos seus próprios locais!
A Engenharia Portuguesa, que teve uma grande expansão para dar apoio ao desenvolvimento do imenso território que Portugal geria nas ex colónias, viu diminuído o seu imenso campo de actividade e crescimento depois da independência destas.
Com a entrada de Portugal na comunidade europeia, houve um novo ciclo, um novo crescimento, essencialmente para assegurar a necessidade interna de infraestruturas como estradas, estações de tratamentos de esgotos, sistemas de abastecimentos de águas, e de uma série de equipamentos como os estádios, as piscinas, as escolas, os hospitais, etc.
Lamentavelmente esta experiência e capacidade de “(re)construir” um país em 30 anos, tem sido mal gerida como marca da Engenharia Portuguesa nos mercados externos, nomeadamente e principalmente nos emergentes que estão a dar os passos semelhantes àqueles que iniciámos há 30 anos. E que necessitam necessariamente de quem tem a experiência vivida e actual deste conhecimento.
Infelizmente grande parte das empresas de engenharia não teve a visão de que o mercado de Portugal é pequeno e que depois da "reconstrução" do nosso país após a entrada na Comunidade Europeia, o volume de obras públicas e privadas em Portugal acabaria por se reduzir ao volume de manutenção e reabilitação, com evidentes consequências da diminuição considerável do volume de trabalho para as empresas. Só depois, quando já em fase descendente das margens de lucro e da saúde financeira das empresas, é que a maioria destas (as que não acabaram entretanto) decidiram fazer a internacionalização.
Esta internacionalização por obrigação, não é necessariamente a mesma que uma efectuada com estratégia e correctamente planeada. Este "fado" no entanto tem sido o nosso destino ao longo dos séculos, em que temos sido empurrados para uma evolução por necessidade e insatisfação. No entanto, apesar de nos faltar alguma visão estratégica e capacidade de antecipação, temos uma qualidade imbatível, reagimos rapidamente com entusiasmo e persistência. Somos creativos nas soluções e habéis nas relações com outros povos e nações, seguramente resultado da nossa história de navegadores e de criadores de nações em terras estrangeira.
Esta é uma “marca” que temos de refinar e com ela conquistar as “terras viciosas de África e de Ásia” segundo Camões, às quais junto as “Américas”.
Retorno a Camões e ao "Livro" da Alma Lusa para expressar mais algumas reflexões. A narração das dificuldades da expansão Lusa em Africa e Ásia, são na sua essência com as devidas distancias, as dificuldades que temos na internacionalização das nossas empresas em geral e das empresas de Engenharia em particular.
Como referi anteriormente, as empresas de Engenharia (civil e não só) que necessitam de se deslocarem e se implantarem em termos produtivos nos locais “estrangeiros” têm realmente de estarem preparadas para dificuldades inesperadas que têm a ver com as culturas próprias de cada local, nomeadamente em termos técnicos, administrativos, legais e também culturais.
Esta “apropriação” do local estrangeiro necessita de tempo, engenho e arte. Estivemos muito concentrados no nosso mercado interno e perdemos a experiência dos mercados externos.
Agora é o tempo de mudar, reaprender e sermos melhores do que éramos. Temos no entanto de ter uma marca da “Engenharia Portuguesa”. Temos de exportar a “Engenharia Portuguesa” em vez de Engenheiros! Temos de aprender com o passado e desta vez juntar às nossas qualidades voluntariosas e hábeis, uma visão estratégica e de antecipação.
Parabéns às empresas que souberam antecipar esta situação e às empresas que em Portugal exportam para todo o Mundo, software, equipamentos, produtos e serviços de consultoria que mostram que é possível levar a “Engenharia Portuguesa” a todo Mundo. É essa a Alma Lusa.
Joaquim Nogueira de Almeida
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