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Foto do escritorMário Baleizão Jr

SOCIEDADE CAPITALISTA OU SOCIEDADE HUMANISTA?


TODOS OS QUE SÃO ENGENHEIROS NAS MAIS DIVERSAS ÁREAS E SABEM QUE O OBJECTIVO DA ENGENHARIA É OPTIMIZAR A QUALIDADE, A SEGURANÇA E A ECONOMIA, POR PROCESSOS QUE ENVOLVEM O CÁLCULO E A INVESTIGAÇÃO QUE TÊM POR OBJECTIVO A EFICIÊNCIA E A EFICÁCIA NO PROGRESSO DA PRODUÇÃO


Sociedade capitalista ou sociedade humanista, no seu conceito mais literal, são dois paradigmas de vida opostos, ambos extremistas, se levados ao limite. O texto que se segue, inspirado da realidade, é um exercício de especulação, não fundamentado na política, mas fundamentado na tecnologia. Todos os que são engenheiros nas mais diversas áreas e sabem que o objectivo da engenharia é optimizar a qualidade, a segurança e a economia, por processos que envolvem o cálculo e a investigação e que têm por objectivo a eficiência e a eficácia no progresso da produção. Actualmente, a engenharia tem tantos ramos e áreas, que é demasiado abrangente. Mas, vamos ficar por esta definição. Como engenheiros, qual é a nossa perspectiva do mundo actual e que sociedade desejamos para as futuras gerações?

A engenharia terá começado com a arte e o engenho, necessários para a construção de casas, castelos, igrejas, catedrais e outros edifícios. Os antigos mestres construtores, um pouco arquitectos, um pouco engenheiros, tanto decidiam as formas do que construíam, como os métodos de construção de paredes, vãos, pilares, vigas, janelas, portas, pisos e telhados. De vãos com vergas em madeira ou pedra, a arcos ogivais (góticos), passando pelos arcos semicirculares (romanos) e de regresso aos vãos rectangulares, evoluímos nos processos construtivos, com incremento de qualidade, segurança e economia. Da construção de casas, passou-se para as pontes e para as vias de comunicação. Em paralelo, inventámos a roda e as carroças puxadas a burros e cavalos. Entretanto, tínhamos inventado as charruas puxadas por uma junta de bois, para lavrar a terra. Se havia castelos, com vilas em redor, havia que construir estradas pavimentadas para circular de centro urbano em centro urbano.


As carroças passaram a coches. Assim, se desenvolveram grandes civilizações: Astecas, Maias, Egípcios, Babilónios, Gregos e Romanos, até que o centro do progresso veio para a Europa. Inventámos também barcos, navios a remos e à vela. Portugal e Espanha descobriram o mundo além mar e chegaram a dividir o globo terrestre entre os dois, com o Tratado de Tordesilhas. Depois, juntaram-se os ingleses e os holandeses. A engenharia tem muitos ramos. Outro dos mais antigos foi o desenvolvimento de armas e de engenhos, capazes de combater o inimigo ou de assaltar castelos. As catapultas, os aríetes e as estruturas em torre para conquistar castelos são um exemplo, desde a era medieval. A engenharia é também um braço do Exército de qualquer nação. Depois da engenharia mecânica que criou carros e aviões, foram desenvolvidos veículos e aviões de combate. Criámos misseis, foguetões e já fomos até à Lua. Depois criámos estações orbitais, vaivéns espaciais e satélites artificiais. A este ponto do progresso, com o crescimento do Poder baseado não só no domínio e na riqueza, mas também na tecnologia, tornam-se evidentes duas perspectivas: uma mais capitalista e outra mais humanista.


A Sociedade Capitalista


Até aqui, a força de um povo era medida principalmente pelo seu capital humano: os seus exércitos e os seus escravos. Quanto maiores fossem os exércitos de um reino ou nação, ou quanto mais escravos tivessem a fazer trabalho gratuito, mais forte, capaz e próspero era esse reino, ou essa nação. Mas, o mundo começa a mudar depressa. Em 1698 inventamos a máquina a vapor e abrimos caminho para a Revolução Industrial (1760-1840). Do trabalho artesanal, passamos para a produção em série, em fábricas, com máquinas a vapor, que substituem alguma força humana. Em 1801, inventamos a locomotiva. Passamos a ter comboios, linhas férreas e barcos a vapor.

Depois, inventámos o motor de explosão, a combustível. E, desenvolvemos esse motor para automóveis, camiões, barcos, aviões e até foguetões e naves espaciais. Inventamos também as baterias e forma de produzir electricidade. Inventámos a iluminação artificial, os motores eléctricos e máquinas de produção industrial. Neste processo de desenvolvimento, a que chamamos progresso, o peso da tecnologia criou uma guerra fria entre os países que mais dominavam a tecnologia, nomeadamente entre os Estados Unidos da América e a URSS. Primeiro a competição pela conquista do espaço e depois a medição de forças sobre o domínio da energia nuclear, das bombas atómicas e dos mísseis. Desde Hiroshima e Nagasaki, a guerra já não é ganha por quem tem um exército mais numeroso e mais bem armado. A guerra será ganha por quem tenha os mísseis mais destrutivos e de maior alcance, se no fim dessa eventual guerra sobreviver alguém… O caminho das revoluções industriais foi longo: máquina a vapor, motor de explosão, electricidade, computador, energia nuclear e estamos agora na era das telecomunicações. Toda esta tecnologia potenciou o lucro e a riqueza. Algumas nações tornaram-se poderosas pelo seu grande poder económico. Hoje, embora haja guerras pelo domínio da tecnologia, a guerra tornou-se uma guerra de mercados e da economia de nações. As empresas cresceram tanto que passou a haver grandes grupos económicos, baseados na vantagem da tecnologia e no domínio dos mercados, que se compram uns aos outros, até dominarem os maiores. Das grandes industrias transformadoras aos bancos, este é o fenómeno crescente da luta de gigantes. Com a criação das agências de notação financeira, actualmente, o poder de uma nação está em que a sua capacidade financeira seja credível e não seja considerada lixo.

A Sociedade Humanista

O que é que a engenharia tem a ver com tudo isto? O progresso da sociedade e o desenvolvimento humano do mundo, trouxeram-nos até aqui. Se, nos anos 80, imaginávamos o desenvolvimento dos computadores e da robótica para nos servirem e para trabalharem por nós, para termos uma vida mais confortável e mais desafogada, não foi isso que aconteceu. A culpa não é dos engenheiros, que ao trabalharem para optimizar a qualidade, a segurança e a economia, estavam também a optimizar o conforto e a aliviar o esforço físico (braçal) na produção industrial. No entanto, por efeito colateral, a optimização da economia gerou a optimização do lucro. Se por um lado as escolas industriais deram origem a institutos politécnicos de engenharia e a universidades, as indústrias deram origem a escolas de gestão e o lucro originou faculdades de economia. O progresso, a industrialização, a robótica e mais recentemente a competição entre grupos económicos com a globalização, não deram origem a um mundo mais justo, mas sim a mais assimetrias: desemprego, dependência energética e dependência económica. A Ciência e o Conhecimento no mundo, que começou pela Filosofia, pela Biologia, pela Medicina e pela Matemática, passou para a Física, para a Engenharia, para a Gestão e para a Economia. Da ciência humanista e mais natural passámos para os cursos mais científicos. E neste processo perderam-se os valores humanos. Os cursos de Direito e de ciências sociais e políticas, não acompanharam o desenvolvimento da Justiça e da Política, face ao ritmo do progresso e do desenvolvimento tecnológico. Os grandes grupos económicos precisam da engenharia para desenvolver e continuar a optimizar a tecnologia, mas as leis e as decisões políticas são um estorvo e um obstáculo para o lucro rápido. Hoje, a política e a justiça perderam o comboio do progresso e correm atrás dele, para tentar minimizar os estragos de uma competição tecnológica e económica, para a qual não há leis eficientes. Neste processo de sociedade capitalista fomos desconstruindo os valores da sociedade humanista.


O ideal de sucesso humano é ter uma boa casa, um bom carro e o último modelo de gadgets, não é ser honesto, ser justo e tratar os outros com equidade e respeito. Frustrado em não conseguir atingir o “sonho americano” de sucesso e vazio de valores, o ser humano torna-se cada vez mais violento e desequilibrado. A competição e as exigências do trabalho afastaram o homem dos relacionamentos familiares mais profundos. A vida tornou-se uma correria e quem perde o equilíbrio gera violência doméstica, criminalidade e aumento de suicídios. A engenharia trouxe ao homem o melhor do conforto, as melhores casas e com a mais avançada tecnologia. No entanto, é mais feliz uma família no campo entre a Natureza, do que uma família na cidade, rodeada de luxo. A engenharia potenciou o desenvolvimento da industria e da medicina, nomeadamente da industria farmacêutica e de toda a tecnologia hospitalar, com instrumentos de análise e diagnóstico, como nunca antes. No entanto, falta acompanhamento humano, falta o planeamento familiar. Nós somos seres inteligentes e temos muitos meios contraceptivos (desenvolvidos pela ciência), mas ao mesmo tempo somos também seres muito irresponsáveis para não usar o que a ciência tem ao nosso dispor e, em pleno século XXI, o número de abortos é crescente, aos milhares em cada país e aos milhões no mundo.


Na corrida da industrialização e da produção em massa, hoje a nossa alimentação é constituída na sua maioria por alimentos processados, embalados em fábricas, cheios de químicos, conservantes e édulcorantes. O que conta é ver, por exemplo, um pão já fatiado, sempre fofo e sempre sem bolor, ainda que tenha um pesticida legal a que chamamos anti-fungos. Hoje, o engenheiro agrónomo é uma profissão com pouca (ou nenhuma) procura, enquanto que a engenharia alimentar é um curso crescente. Mais uma vez, as ciência humanas não estão a acompanhar a tecnologia, nomeadamente a Medicina e, em particular, a Nutrição. Na nossa alimentação estamos a ingerir toxinas e venenos, gota a gota, todos os dias e o número de casos de cancro é crescente, de ano para ano. Em vez de prevenir o aparecimento de cancros, com uma alimentação saudável, queremos remediar a saúde, com tratamentos que causam sofrimento, na procura de uma cura para um mal que continuamos a alimentar. Quem nos salva de nós próprios? É tempo de parar e pensar: Até onde é que queremos ir? Que engenharia queremos para o futuro? A engenharia trouxe ao mundo a capacidade e as ferramentas para analisarmos e estudarmos os alimentos, o corpo humano e os compostos químicos artificiais, de um modo cada vez mais profundo. No entanto, a força do progresso e da economia não permite que Engenheiros, Médicos, Biólogos, Psicólogos e Sociólogos possam desenvolver um trabalho sustentável e com danos colaterais bem estudados, em nome da qualidade, da economia e da segurança, mas com Equidade, Justiça e Saúde, não só a nível humano individual, mas a nível social. Precisamos de uma sociedade mais saudável, a todos os níveis. A Engenharia precisa que a Política e a Justiça controlem o uso das ferramentas que desenvolvem. Sem leis e sem regulamentação, este mundo é uma anarquia. A Engenharia precisa de uma Política de Valores, se queremos deixar um mundo melhor para os nossos filhos...


15 de Maio de 2020

Mário Baleizão Jr


Também fez em Jerusalém máquinas de invenção de engenheiros, que estivessem nas torres e nos cantos, para atirarem flechas e grandes pedras: e voou a sua fama até muito longe, porque foi maravilhosamente ajudado, até que se tornou forte.

II Livro de Crónicas, referindo rei Urias, Bíblia, Século IV a.C.

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