A sustentabilidade nas soluções de engenharia já se encontra bastante enraizada na sociedade em geral. No que diz respeito aos recursos naturais disponíveis existe a preocupação de praticar uma melhor gestão, que é visível por parte dos países desenvolvidos, de modo a que sejam satisfeitas as necessidades da população atual, sem comprometer as necessidades das gerações vindouras. Esta visão estende-se ao setor hídrico e energético. A exploração das fontes de energia renováveis deve ser encarada como uma solução primária de produção de energia elétrica, em detrimento dos combustíveis fósseis, uma vez que estes, além de serem cada vez mais escassos, a sua utilização é responsável por grande parte das emissões de gases com efeito de estufa para a atmosfera, contribuindo para um ambiente de qualidade inferior.
A razão pela qual as energias renováveis não correspondem a uma percentagem maior na satisfação do consumo total, deve-se ao facto de estas fontes apresentarem uma elevada variabilidade temporal, uma vez que dependem das condições atmosféricas. Esta intermitência gera uma diferença considerável na relação entre oferta e procura de energia ao longo do tempo, ostentando períodos em que a oferta é maior, e por isso há energia que não é devidamente aproveitada, e períodos onde a oferta é menor, obrigando à utilização dos combustíveis fósseis para satisfazer o consumo energético.
Deste modo, mais do que aumentar a potência de energia renovável instalada, é importante efetuar uma gestão mais eficiente destes recursos através da procura de soluções que visem colmatar as falhas de produção devido à sua intermitência. A produção conjunta de energias de fonte renovável, como são os casos das energias hídrica, eólica e solar, poderá ser uma resolução bastante eficaz do problema, uma vez que estas fontes se complementam entre si.
Produção hídrica com armazenamento por bombagem
Apesar das fontes de energia renovável serem praticamente inesgotáveis e amigas do ambiente, são também imprevisíveis e apresentam disponibilidades variáveis, uma vez que dependem das condições atmosféricas. Este facto faz com que haja, muitas vezes, um desequilíbrio entre a procura e a oferta de energia, não se conseguindo retirar todo o potencial dos aproveitamentos de energia renovável. Esse desequilíbrio pode surgir quando há escassez de fontes de energia, como acaba por acontecer com Portugal em tempo de seca, onde as barragens perdem a sua capacidade por falta de precipitação, e consequentemente, sem armazenamento suficiente para gerar energia hidroelétrica. Mas também se pode dar o caso contrário, isto é, poderá haver alturas em que a oferta é maior que a procura, pelo que todo esse excesso de energia não utilizado, ou é exportado ou é desperdiçado.
De seguida apresentam-se três abordagens possíveis com vista a garantir o equilíbrio entre a oferta e procura de energia (Faias et al. 2009):
Limitar a geração a partir de fontes renováveis (evitando o desperdício destes recursos) e aumentar a geração termoelétrica – esta solução não é sustentável e não vai de encontro ao objetivo de tornar a produção de energia mais eficiente;
Exportar o excedente para os países vizinhos – apesar de já ser feito, é uma solução que depende da capacidade de absorção externa;
Armazenar o excedente de energia elétrica produzida, para utilizá-la depois, em períodos de maior consumo – esta solução é mais eficaz para regular a variação da oferta/procura tendo-se como exemplo a combinação de duas fontes renováveis complementares (e.g., eólica e hídrica).
Complexo de produção hidroelétrico com armazenamento em Portugal
O maior complexo de aproveitamento hidroelétrico já alguma vez feito em Portugal pretende armazenar energia excedentária da produção eólica e será composto por três barragens: Alto Tâmega, Daivões e Gouvães (Figura 6). Terá uma potência de geração total instalada de 1 158 MW, capaz de produzir mais de 1 760 GWh anuais, o equivalente a 6 % do consumo de energia elétrica em Portugal (Iberdrola 2017a). Dos três aproveitamentos, o de Gouvães é o que apresenta maior potencial, com capacidade instalada de 880 MW, graças às suas quatro turbinas Francis reversíveis de 220 MW, e projetado com uma central subterrânea para maximizar a coluna de água. As centrais de Daivões e do Alto Tâmega terão uma potência instalada de 114 e 160 MW, respetivamente. Além de ultrapassar o registo de potência instalada na barragem do Alto Lindoso (630 MW), o que torna Gouvães inovador é o facto de aproveitar o excesso de produção eólica. Para tal, está equipado de um sistema de bombagem que o liga ao reservatório de Daivões, fazendo a movimentação de volumes entre uma albufeira para a outra sempre que necessário. A totalidade do empreendimento implicará um investimento de 1 500 milhões de euros, com 3 500 postos de trabalho diretos e 10 000 indiretos associados.
Complementaridade hídrica-solar
Ainda em fase de testes, encontra-se uma central solar fotovoltaica flutuante na albufeira do Alto do Rabagão (ver Figura 7). Trata-se de um projeto piloto na Europa, que conta com 840 painéis fotovoltaicos numa área de 2 500 m2, o que corresponde a 0,2 MW de potência instalada, que poderá gerar 300 MWh anuais, o suficiente para abastecer 100 famílias num ano (EDP 2017c). Esta solução apresenta algumas vantagens: a combinação de duas fontes de energia renovável com elevada complementaridade (visto que as melhores condições para a produção de energia solar acontecem quando há menos produção hídrica); utilização de uma única infraestrutura para fazer a ligação à rede; poupança no espaço, não sendo necessário ocupar terreno fértil; arrefecimento natural dos equipamentos concedido pela superfície aquática, permitindo assim obter-se rendimentos mais elevados; proteção da radiação solar no meio subaquático, o que reduz a proliferação de algas e o consequente efeito eutrofizante, mitigando também as emissões de gases de efeito estufa.
Central solar fotovoltaica flutuante na albufeira do Alto Rabagão
a) Enquadramento com a barragem;
b) Distribuição dos painéis pela plataforma flutuante
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Helena M Ramos
Professora no IST Técnico Lisboa
Departamento de Engenharia Civil, Arquitectura e Georrecursos (DECivil), CERIS, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa;
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