Pela ótica da missão do negócio imobiliário e do processo de empreendimento imobiliário, é expetável que o setor seja essencial para conseguir um mundo realmente sustentável. Todavia, a forma de atuar terá de ser muito diferente da ainda corrente. Será possível?
Sim, mas inovando o paradigma da atividade em relação ao atual modo de intervenção.
Genericamente, para a atividade humana (económica, industrial, social) se tornar sustentável, de modo efetivo e não apenas aparente, o foco não pode ser cingir-se a intervenções sobre o mundo natural, embora seja o mais nuclear de todos ambientes que envolvem a humanidade.
A Natureza é de facto um sistema aberto com múltiplas variáveis interdependentes, das quais se inclui os humanos que com ela interagem e a influenciam.
Por outro lado, o imobiliário é a face mais evidente da atividade humana quando urbaniza a superfície do planeta, cria cidades, desequilibra as condições naturais com obras artificiais, polui, contamina solos, rios e mares com a sua intervenção transformadora. Num nível micro, o imobiliário desenvolve e fornece utilidades aos humanos cujo valor percebido é individual. Pela agregação da sociedade, as múltiplas percepções individuais configuram-se no valor de mercado.
O mundo sustentável é por isso um sistema de multivariáveis interdependentes. Nesse âmbito, o imobiliário deve criar valor que abranja a percepção global da sociedade, não se restrinja ao benefício de uns poucos que empurram os danos colaterais para os restantes – Natureza e Humanos.
Esse deveria ser o mais básico princípio da sustentabilidade.
A forma como um empreendimento imobiliário cria efetivo valor para a sociedade terá dois enfoques principais, distintos, mas que se complementam: a função e o processo.
O modo de encarar a finalidade (ou função) do projeto imobiliário condiciona o produto final (seja uma edificação, um serviço, tipo de uso ou ativo). Este condiciona o desenvolvimento e gestão imobiliária, processos relativos à obtenção do produto final tal como é concebido.
Face à normal limitação de recursos, qualquer processo requer-se eficiente, rápido, criando alto valor, mas com baixo custo relativo (portanto, elevado cash-flow). A ótica não deve ser apenas financeira, mas também equilibrada com as óticas natural e a humana.
Na ótica tradicional, o produto imobiliário é tido ainda como edificado implantado sobre o solo. O valor é sobretudo obtido por transação no mercado do bem edificado (ou registo dos direitos para a sua posse) que cumpre certas funções de uso, delimita espaços interiores (áreas) e resguarda os seus utentes de agentes exteriores (humanos, temperatura, ruido, sismos, etc.).
O produto tradicional configura-se no objeto tangível quase sempre nos materiais em voga, com preponderância do betão, vidro, tijolo e argamassa, cujo valor depende de atributos em que se salientam os de interligação (famoso mantra “localização, localização, localização”).
O processo tradicional foca sobretudo a execução da obra, além do tempo que gasta em licenciamento e comercialização. Menospreza-se atividades de racionalização, comunicação, criatividade ou organização como a gestão de projeto (planeamento e controlo), arquitetura, engenharia, ou o marketing. Estas são tidos como custos dispensáveis, não um investimento. Se custam mais do que zero euros então são caros.
No processo de empreendimento imobiliário prevalecem os processos empíricos, mas menos racionalizados que facilitariam a adaptação às novas exigências contextuais do mundo atual. Quando o foco fica no produto tangível executado no estaleiro com materiais de construção e mão de obra (mais musculo e esforço físico do que inteligência), na comercialização do objeto visível e tátil, descuram-se processos (intangíveis) decorrentes de óticas mais abrangentes, mas que podem acrescentar muito mais valor.
A atitude mais corrente no setor é, infelizmente, muito conservadora. Tal atitude configura-se rígida nas ideias e procedimentos perante desafios de mudança acelerada. Os resultados pioram numa sociedade de mercado que continua presa a uma cultura conservadora que se deve à baixa formação e elevada idade dos seus cidadãos que receiam o que é diferente.
Nesta sociedade passiva prefere-se manter processos já testados no passado, já conhecidos. Passa a ser uma sociedade em modo estagnação.
Apesar da tecnologia emergente, que em Portugal é importada porque o sistema económico não consegue inovar nem produzir o mais sofisticado, também o modelo de negócio imobiliário tem dificuldade em inovar para se adaptar a novos contextos, sejam requisitos de mercado ou a sustentabilidade.
Então, o ajustamento da sociedade conservadora às novas envolventes contextuais configura-se ineficiente e caro. Para os agentes económicos, a sustentabilidade torna-se mais como uma figura de marketing apenas para melhorar a imagem do produtor face ao mercado, assim promover melhores vendas, mas sem ganhar eficácia.
No caso do produto imobiliário, este deve ser visto muito além da sua evidente tangibilidade. Apenas com uma visão abrangente se poderá encontrar novos caminhos para a eficiência e sustentabilidade. O fim da produção imobiliária não deveria ser a construção de edificado para o mercado arrendar ou comprar.
É preciso ultrapassar a barreira a que a maioria de todos nós está agarrada em percepção.
O produto imobiliário a fornecer deve ser o conjunto de ambientes requerido pela sociedade na sua existência e atividade. Para proporcionar tal fim, o imobiliário concebe, planeia, executa e gere os recursos e processos necessários, em que boa parte são físicos, mas cada vez serão desmaterializados e inteligentes para se otimizar valor com menos esforço da Natureza e Humanidade, os quais de outro modo entrarão decerto em rotura.
Portanto, a função da promoção imobiliária deveria ser a transformação do ambiente natural em ambientes percepcionados com valor pelo utente - cliente. O moderno humano enquadra-se num bolo integrado de ambientes interdependentes, distintos do que é puramente natural, sejam a nível físico, humano, institucional ou informacional. Nas suas diversas vertentes, a gestão imobiliária tem a função de otimizar o desempenho do edificado (físico e funcional), os ambientes e serviços transacionados, e os resultados do ativo imobiliário em investimento.
Neste âmbito, a função da construção seria a transformação de recursos naturais, incluindo o solo e mão de obra, para fins de edificação dos limites físicos que abrigam tais ambientes. A construção é um processo essencial e útil para atingir o fim do imobiliário, mas não é esse fim em si, apenas um meio.
Fornecer ambientes permite maior liberdade de escolha de soluções de produção e materiais. Apenas se precisa que as soluções satisfaçam requisitos objetivos de desempenho (segurança, habitabilidade e economia). Mais do que apenas vender o objeto tangível interessa otimizar a perceção sentida pelo utente-cliente ao usufruir de um espaço, durante um tempo e em condições contextuais que o deixam mais satisfeito, feliz, produtivo, realizado. O valor não dependerá tanto da posse do bem, mas antes do seu usufruto e serviços aí prestados.
A mudança de paradigma passaria a ser a venda de ambientes em métrica de espaço-tempo-serviço, com incidência da sua partilha comum, limitando o uso privativo e exclusivo, caro para o ambiente. Este paradigma poderia conduzir a novos conceitos imobiliários mais sustentáveis em comparação com o produto tradicional, sobretudo a habitação para venda.
Também as soluções construtivas não precisam de ser as usuais executadas na obra com materiais de elevada pegada ecológica, muito consumidores de fontes fósseis como o cimento ou o aço. As soluções devem retirar peso ao total de custos imputados ao material (hardware) passando-o para atividades mais racionalizadas (software) ou humanizadas (humanware). Na inteligência (tecnologia, criatividade e gestão) poderão encontrar-se novas soluções baseadas em materiais renováveis (como a madeira) ou de menor pegada e consumo energético (LSF), reutilizáveis em outros projetos posteriores.
Pode aproveitar-se desperdício e poluentes, como o entulho ou plástico, para criar novas soluções construtivas. Pode aproveitar-se o desenvolvimento de tecnologias de impressão aditiva para a produção de edificado direto no local de acordo com o gosto de cada cliente.
Nesta era da informação e digitalização, o empreendimento deverá focar cada vez mais na gestão de projeto, em processos interativos e iterativos com base no digital, como a filosofia Agile em contraponto dos processos em cascata ainda correntes. Este modelo permite maior ênfase no planeamento e controlo do empreendimento, não só em obra, mas desde logo a montante na criação do conceito, do plano de negócio, na negociação e contratação dos agentes na cadeia de valor.
Este tipo de soluções tende a arrastar a produção para um modelo dito offsite que concentra em processos a montante da obra em instalações fabris operadas por sistemas de automação. O interesse é depender cada vez menos de operários artesãos (que escasseiam para a obra tradicional, daí o seu elevado custo),em erros de obra devido a deficiente informação, e a muito material desperdiçado em obra.
Uma obra não precisa de ser suja, húmida e caótica. Pode ser limpa, seca e sistemática, cujas peças podem ser configuradas digitalmente antes de serem executadas pela máquina e aplicadas em obra por tarefas simples. Seria um modelo de produção tipo IKEA.
Apenas com modelos mais desmaterializados é possível aumentar a produtividade com a redução de desperdício, logo ter um melhor desempenho quanto aos critérios ESG.
Lisboa, 13 de Dezembro de 2022
João Correia Gomes (Ph.D., Mestre em construção, Engenheiro civil)
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