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Foto do escritorJoão Correia Gomes

TOKENIZAÇÃO IMOBILIÁRIA – FONTE DE CAPITAL E LIQUIDEZ!

Atualizado: 13 de jul. de 2021


A tecnologia Blockchain arrisca-se a provocar uma das maiores disrupções na sociedade e economia talvez até similar à Internet que emergiu há 25 anos (Ulrich, 2018). O impacto da tecnologia irá incidir sobre os processos institucionais que a Internet quase não tocou. Poderá abalar setores fortes como a banca, os investimentos (Tamar, 2020, 28), os sistemas fiscais e os registos públicos.


Descobre-se a amplidão da tecnologia que pode ir mais além do sistema financeiro. E, não se trata do Bitcoin que foi a primeira aplicação do blockchain, a recente moeda digital que inquieta já todo o sistema. Apercebe-se que a tecnologia pode também abrir brechas nas confortáveis instituições ainda alicerçadas em processos obsoletos, muito conservadoras, baseados no papel e burocracia. É corrente a sua governança ser autocrática coroada em chefias com forte poder de decisão e pouco contrariada pelas estruturas subalternas.

O excesso de informação, nem sempre verdadeira, que é provida nas redes acelera o ambiente socioeconómico devido à forte interação das pessoas. Mas, a mudança rápida parece remover as ancoras que asseguravam a perceção de segurança, emergindo novos comportamentos menos alinhados. A função das instituições passa por incutir confiança nas pessoas para arriscarem mais e alavancarem a economia (North, 1991). Os atributos institucionais que conferem força e progresso às sociedades prósperas são a educação, a formação, a ética, a justiça, a equidade, a honestidade, a verificação idónea e independente dos registos relativos a todas as transações sociais e económicas.


A instituição expressa-se em processos que dependem da confiança geral como a moeda, os registos, a propriedade horizontal, o crédito, o transito, ou a administração publica. Todavia, estes processos dependem de entidades centralizadas, com estruturas orgânicas hierarquizadas cujo topo cada vez mais se liga ao poder (político, económico, financeiro). São estruturas tão diversas como os tribunais, os reguladores, o governo central e os municípios, o Banco central e a banca, os fundos, as conservatórias, polícia. Perde-se confiança com a dificuldade na perceção da isenção e independência das instituições.

As sociedades mais prósperas são as mais institucionalizadas. A confiança é o atributo mais valioso de uma sociedade moderna. Não é um valor tangível. É sobretudo uma espécie de cola cultural que liga os membros da comunidade, mas é como um castelo de cartas que rui ao retirar uma peça. Tudo se desmorona e estagna quando a perceção da palavra e ação dos “guardiões” (Estado, Banco Central, banqueiros), que deveria ser tida como séria, falha ou é falsa; ou se a justiça é lenta e parece funcionar a favor de alguns; ou se a burocracia é desligada da sociedade que deveria servir e empaca toda a economia; ou se a corrupção alastra, sobretudo na esfera do poder. Inicia assim uma rotura social e económica quando as instituições deixam perder o seu atributo fundamental – a confiança. Emerge um terreno fértil para a implantação das ideologias extremas (que podem ser ocas), ou para a apatia geral, induzindo a estagnação da economia.

Neste ambiente do início do século XXI, emerge a tecnologia blockchain. Como trunfo, tem o enorme potencial para revisionar o sistema institucional, por isso pode representar uma disrupção tão grande como a da Internet. Distingue-se dos processos instituídos com registos baseados em papel, manuseado por pessoas reais e presentes, logo sujeitos a perda (incêndio, roubo), omissão, falseamento satisfazer um interesse particular.


A mais valia da tecnologia está na validação de registos (direitos, transações, títulos, dados ou informação) que são digitalizados. A revolução está na desconexão e descentralização do processo de registo, pulverizado por centros (de mineração) dispersos pelo mundo, independentes e incógnitos entre si, ligados na rede por um algoritmo comum. Estes centros verificam em simultâneo a pertinência dos códigos encriptados em cada bloco da cadeia (Blockchain) que se ligam aos conteúdos aí guardados. Ficam seguros porque não é possível alterar unilateralmente um registo sem a concordância de toda a rede.

Emerge aqui o processo de tokenização. O “token” (palavra inglesa para ficha de registo) significa em si uma unidade, a qual pode ser transacionada na rede ligada ao blockchain, e integra os dados inerentes à mesma que a registar e garantir. O token pode ser do tipo utilitário (como é a bitcoin) ou representativo (como um título de direito de propriedade), cujo conteúdo é bloqueado com um código único encriptado, cuja validade é garantida no conjunto da rede descentralizada. Configura-se como o processo de registos efetivamente institucional, independentes de indivíduos e de suportes físicos, mas virtual sujeito à complexidade da rede de agentes independentes que não podem influenciar-se entre si.

A execução de atividades económicas no mundo físico depende cada vez mais de registos, planos, algoritmos, cadernos de encargos, projetos, avaliações, faturas, transferências bancárias (Gomes, 2004). Portanto, depende do que é digitalizável e por processos virtuais. No caminho entre etapas num processo económico, essa informação exige fidelidade, não pode ser desviada ou falseada (por um hacker?). Essa seria a função da tecnologia Blockchain que seria como uma ponte ligando o mundo real ao virtual (Veuger, 2020, 24), entre os fluxos físicos (pessoas, bens) até ao processamento pela Internet ou Inteligência Artificial.


Quanto ao imobiliário?

O imobiliário deve muito aos processos institucionais que suportaram a prosperidade das últimas décadas. Sem a instituição de registos, da propriedade horizontal (PH), hipotecas, crédito, códigos de licenciamento, construção ou a avaliação, o setor não existiria sequer. As instituições conferiram confiança ao capital e estenderam o mercado a nível nacional. Beneficiaram as atividades de promoção, avaliação, mediação, crédito hipotecário que, sem as instituições, não seriam necessárias (Soto, 2001).


O problema critico do imobiliário é o capital intensivo requerido para um projeto de negócio. Para ter eficácia e eficiência (melhor relação custo-benefício), o empreendimento precisa de muito capital. Mais ainda se o objetivo é ganhar qualidade diferenciada (não ser fácil de copiar pela concorrência). Depois, a recuperação do capital investido também não é rápida. A dimensão e especificidades do imóvel reduzem a liquidez, aumentam o risco percebido os quais não contribuem para aumentar o valor que pode resultar inferior aos custos!


A etapa crítica do negócio imobiliário está na captação de capital, sobretudo de longo prazo. Nas últimas décadas, o problema foi resolvido com a PH e o crédito bancário para obter liquidez e capital de longo prazo (Gomes, 2021). Porém, o contexto socioeconómico está a mudar e o produto imobiliário terá de evoluir para outro paradigma. A fonte essencial do capital é o aforro individual, a base dos recursos bancários também. E são milhões de pessoas e empresas, agora interligadas na Internet, a procurar veículos com rendimento no longo prazo. A atração desse capital para ser partilhado em projetos de investimento direto corresponde à opção mais democrática do capitalismo (Gates, 1999).


Uma solução possível seria o máximo fracionamento de unidades em títulos de baixo valor. Para captar o interesse do mercado, além da informação de rendimento e risco, exige-se fiabilidade, a indução de confiança percebidas, transparência e certificação. Neste âmbito, já é corrente a titularização dos direitos de posse como eficaz meio de captação de capitais, como os REIT, a partir de unidades fracionadas numa escala mínima, os títulos, que podem ser transacionados nos mercados de capitais. A escala na captação de capital e liquidez poderia passar a um nível muito superior se utilizar os processos virtuais como a Internet.

A tokenização imobiliária configura-se como um progresso em relação à titularização. Cada unidade (token de representação ou título) é um registo com código próprio e único que pode ser transacionada no ambiente blockchain. A certificação depende da concordância sincrónica da rede de mineração, pelo que não é possível alguém alterar a favor de alguém a mais pequena informação. Cada título é virtual e integra informação única e imutável, pertinente e necessária à confiança do participante, integrando registos cadastral e predial, identificação, contratos, plano de negócio, contabilidade, avaliações, informação BIM.


A fase inicial deve ser de transição, em que o processo é híbrido na colaboração com os sistemas de registo e financeiros estabelecidos. Com o tempo, a experiência e a confiança do mercado conduzirão o processo até à versão melhorada, mais virtual. Os benefícios do processo poderão acrescer em:


· Transparência e pertinência da informação ao cliente e mercado;


· Confiança do mercado quanto à segurança da informação e registos;


· Liquidez expressa em títulos digitais com baixo valor facial;


· Captação de capital junto do mercado na escala mundial;


· Poder negocial junto das autoridades e dos fornecedores;


· Eficiência do processo produtivo sustentado na escala e industrialização;


· Minimização dos custos de transação e impostos em toda a cadeia de valor;


· Produto focado na venda de serviços de uso e ao utente em todo o ciclo de vida;


· Recuperação do IVA na venda dos serviços;


· Valor, o qual se deve à frequente transação dos títulos que induz o crescimento não linear.


Referência: Gomes, João Correia, 2004, An integrated process for housing investment and financing, Ph.D. thesis, University of Salford, United Kingdom


Lisboa, 28 de Junho de 2021


João Correia Gomes


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